Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Macbeth – Ambição e Guerra (2015): saúdem o rei!

Esta nova versão cinematográfica da peça de William Shakespere, protagonizada com vigor invulgar por Michael Fassbender, ressalta a atemporalidade e universalidade do texto do bardo imortal, em uma produção deveras relevante para os dias de hoje.

imagePeço aos nobres leitores a devida vênia para vos falar brevemente de meu primeiro encontro com a obra na qual o filme aqui analisado foi baseada. Foi na minha tenra infância e pela mais estranha das fontes, com um episódio da série animada “Os Simpsons”, no qual o amável bufão Homer Simpson, em um encontro com Sir Ian McKellen, que estava para entrar no palco no papel-título, fala várias vezes o nome da peça, causando diversos infortúnios ao pobre intérprete.

Isso porque trata-se de uma peça tão “maldita”, que os atores tradicionalmente se recusam a dizer o seu nome, referindo-se à ela como “a peça escocesa”. Fatalmente, capturou minha atenção. Escrita por William Shakespeare no começo do século XVII, “Macbeth” já foi encenada nas mais diversas mídias, das mais variadas maneiras. Uma das minhas favoritas foi pelas mãos do lendário diretor Akira Kurosawa, que transportou a trama para o Japão Feudal em “Trono Manchado de Sangue“. Mais recentemente, é impossível não notar os paralelos entre a série “House of Cards” e o texto shakespeariano.

Mas como algo escrito há mais de quatrocentos anos sobre intrigas e mortes na alta corte real da Escócia consegue ser tão universal e, mais estranho ainda, atual? E qual pode ser a relevância de mais um longa-metragem contando novamente a mesma história? Ora, caros leitores, o bardo escrevia sobre temas universais. Luxúria, ambição, desejo, arrependimento… Seus personagens não são ingleses ou escoceses, mas seres humanos, mercadoria de valor duvidoso desde tempos bíblicos.

Sobre a relevância da trama, basta uma olhada rápida nos nossos jornais, quando rapidamente vemos diversos governantes de inúmeros países revelarem-se tiranos enganadores, quando outrora já foram tidos como honestos. E quanto à necessidade de uma nova montagem, esta se mostra na qualidade do filme “Macbeth – Ambição e Guerra”, dirigido por Justin Kurzel, com roteiro de Jacob Koskoff, Michael Lesslie e Todd Louiso.

Interessante notar que esses realizadores, embora relativamente jovens, resolveram seguir uma abordagem mais conservadora, ao menos no que tange ao texto em si. Sim, alguns personagens e plots foram cortados e condensados, mas o vocabulário fora mantido como no original, assim como o período da história e o próprio desenrolar desta.

A já famosa trama mostra Macbeth (Michael Fassbender), um dos barões do benevolente Rei Duncan (David Thewlis), como um dos grandes responsáveis por preservar o trono real da rebelião liderada por Macdonwald (Hilton McRae). Ao fim da derradeira batalha contra os rebeldes, Macbeth e seu companheiro Banquo (Paddy Considine) são visitados por bruxas, que preveem que, em breve, o primeiro se tornará rei e que o segundo, mesmo não assumindo o trono, será pai de reis. Embebidos pela ambição, Macbeth e sua esposa (Marion Cotillard) planejam a morte de Duncan, com o regicídio tendo consequências inesperadas.

Um dos grandes dilemas apresentados aqui (certamente a maior questão da fita) é quanto a natureza do personagem central. Acertadamente, Michael Fassbender nos mostra um protagonista-título absolutamente multifacetado. Vemos o pai em luto, o soldado, o homem tentado, o rei em triunfo e, finalmente, sua transformação em um covarde capaz de tudo para manter o poder, alienando todos ao seu redor.

Fassbender mergulha fundo nessa odisseia de ascensão e queda, não oferecendo respostas fáceis. Já Marion Cotillard vai por um outro caminho, o da desumanização e posterior humanização de Lady Macbeth, pincelando de maneira sutil o desespero crescente de sua personagem.

Até porque existe um paradoxo a ser tratado aqui: não fossem as profecias das bruxas (aqui em quatro, enquanto no original surgem em três, como as Moiras da mitologia grega), será que Macbeth teria seguido em seu caminho para o trono? Terá sido essa promessa de poder que transformou aquele homem e sua esposa, até então tidos como paradigmas, em monstros?

A forma como o Macbeth de Fassbender coloca em cena de que, tivesse ele morrido um dia antes do regicídio, ele teria tido uma vida completa, e o modo como a Lady Macbeth de Marion Cotillard apela às forças demoníacas em uma Igreja (reparem no crucifixo enegrecido neste momento, que ressurge iluminado em um momento posterior da projeção) para que lhe deem forças para completar sua empreitada sombria mostram um desejo de um entorpecimento preordenado por parte dos dois para irem em frente em seus atos de traição.

A discussão entre os dois sobre o que define um homem, selada por uma entrega momentânea ao desejo carnal e os próprios desfechos dos personagens tornam sim essa discussão pertinente e sem resolução óbvia – o que deve ser encarado como uma virtude, não uma falha.

Ressalte-se ainda o desempenho discreto de Paddy Considine como Banquo que, apesar de ser um dos personagens centrais do drama, também encontra em sua quietude seu lugar melhor. Mas quem rouba a cena é o fiel Macduff, vivido por Sean Harris, certamente o homem com mais contas a acertar com Macbeth e, não a toa, o duelo final entre os dois é de tirar o fôlego.

Aproveitando todas as saídas que o texto lhe entrega, Justin Kurzel entrega uma produção visualmente caprichada, com o vermelho e o negro encontrando destaques nas violentas cenas de batalha, plasticamente lindas. Kurzel também investe em belos planos que ressaltam a loucura e a solidão crescente de Macbeth, com destaque para a cena após a coroação, onde vemos o protagonista-título quase encolhido no canto inferior esquerdo da tela, uma montagem de cenas onde vemos o rei quase despido e um plano plongé que mostra o trono e a corte desprovidos dos cortesãos.

A direção de fotografia também embarca nesta jornada ao psicológico do regicida, apostando em uma paleta de cores sem vida para as cenas centradas em Macbeth (com exceção de sua coroação) e as contrapõe com as cores mais alegres que vemos quando Duncan surgem em cena. Figurinos e direção de arte mostram-se deveras detalhados em sua recriação da época, com destaque para os belos cenários. Completa o clima uma trilha sonora que, embora facilmente identificável em suas origens escocesas, torna-se mais angustiante conforme a história se aproxima de seu desfecho.

Respondendo aos questionamentos feitos acima, “Macbeth – Ambição e Guerra” não apenas é um filme necessário para os nossos tempos, como também ressalta a força do texto de William Shakespeare justamente por se manter fiel a ele sem ser datado. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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