Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Spotlight – Segredos Revelados (2015): grande elenco conduz uma história aterradora

Tom McCarthy conta como a Igreja Católica teve seus pecados expostos para o mundo.

Em certo momento de “Os Infiltrados” (filme de Martin Scorsese lançado em 2006), Frank Costello, personagem de Jack Nicholson, adverte alguns padres que não quer mais saber do envolvimento deles com garotos. Apesar de se tratar da fala de um psicopata, depois de assistir a “Spotlight – Segredos Revelados” – novo filme de Tom McCarthy – aquela advertência ganha contornos ainda mais assustadores. E não por conta de quem proferiu tal ameaça.

O longa conta a história de como o jornal de “The Boston Globe” conduziu uma das investigações mais poderosas contra a Igreja Católica nos Estados Unidos. Depois de perceber uma frequência exagerada em denúncias de pedofilia contra sacerdotes, Marty Baron (Liev Schreiber), o recém chegado editor, designa sua equipe especial de reportagens investigativas, a Spotlight, a cavar o máximo possível daquelas denúncias. O intuito era descobrir até onde ia o envolvimento e negligência do alto clero quanto aquela situação. Porém, depois que os jornalistas Mike Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carol (Brian d’Arcy James), liderados por Walter ‘Robby’ Robinson (Michael Keaton), foram ainda mais fundo, e descobriram um verdadeiro esquema de acobertamento de casos dessa natureza que chegava até o Vaticano.

A estrutura da trama é bastante similar a várias outras obras que abordam jornalismo investigativo, como “Todos os Homens do Presidente” ou “O Informante”. Há o período de coletas de dados, entrevistas com testemunhas-chave, vítimas, advogados e tantos outros envolvidos. Entretanto, o que torna “Spotlight – Segredos Revelados” especial é a onipresença do tema, uma vez que esse tipo de ocorrência acompanha a instituição por quase todos os lugares onde ela está presente. Além disso, o desempenho do elenco, com imenso carisma e desenvoltura, e o ritmo da condução da história tornam a busca ainda mais envolvente. O fato de utilizar atores relativamente desconhecidos para interpretar as testemunhas acrescenta mais uma camada de realismo, gerando uma empatia ainda mais profunda no espectador.

A cada passo que a investigação avança, o público é impactado por alguma informação mais chocante, como padres que abusaram de crianças em várias paróquias ao longo de vários anos, ou vítimas desses abusos, que carregaram sequelas desses mau tratos até a fase adulta. Outros personagens marcantes são aqueles envolvidos por força de sua profissão, como os advogados de defesa da Igreja envolvidos com as primeiras denúncias e cujas ações tiveram desdobramentos pelos anos seguintes.

Como dito acima, além do roteiro envolvente, a grande força do longa é a química perfeita entre um elenco escolhido com precisão. Rachel McAdams constrói Sacha como uma máquina coletora de dados. Alguém capaz de obter os depoimentos mais íntimos e secretos das vítimas, bem como arrancar informações preciosas mesmo de indivíduos mais reclusos. Brian d’Arcy James é o mais pragmático possível, sempre tratando o caso com o maior afastamento possível, até descobrir que está bem mais próximo do que poderia imaginar. Já Mark Ruffallo é o seu exato oposto. Extremamente passional e emotivo, ele enche seu personagem de trejeitos marcantes, que fazem com que sua expressão corporal transmita com transparência tudo aquilo que ele está sentindo. Em seu grande momento, já perto do fechamento do caso, é de arrancar as lágrimas mesmo de quem nunca viu grande coisa no ator (caso do humilde autor desse texto). Michael Keaton volta a emocionar em um papel dramático com já havia feito ano passo em “Birdman”, ainda que em um papel menor. Seu posicionamento ao desenterrar alguns esqueletos de seu passado, ao passo que enfrenta poderosos membros da sociedade de Boston é de uma sensibilidade notável.

O roteiro oferece a cada um deles passagens marcantes, repletas de diálogos inspirados, como aquele em que Mitchell Garabedian, advogado de um grupo de vítimas (numa ótima participação de Stanley Tucci), explica como a Igreja utiliza todos os seus tentáculos para abafar os casos e impedir que a Justiça tome as providências cabíveis. Outro momento que demonstra a qualidade do texto é quando Robby usa toda seu poder de argumentação para conseguir de um antigo conhecido um depoimento crucial para sua jornada.

Tom McCarthy faz uso de várias ferramentas para nos inserir na história, como câmera fixa em ambientes fechados ou seguindo de perto os repórteres durante suas empreitadas em busca de fatos para encorpar sua matéria. Além disso, cada confronto a cerca do assunto, seja ético, profissional ou mercadológico possui cortes que conferem bastante dinâmica a esses embates.

“Spotlight – Segredos Revelados” é, além de um excelente retrato de como deve ser feito jornalismo de qualidade, um ótimo relato de como um valoroso grupo de profissionais teve a coragem de expor uma das piores feridas de uma das instituições mais antigas e poderosas do mundo.

David Arrais
@davidarrais

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