Feminismo… Existe um motivo para tal expressão estar tão em voga nos debates acerca da sociedade contemporânea; ela possue todo um rastro histórico, um contexto social, e, por mais que muitas pessoas banalizem o seu uso, só chegamos a tal ponto porque existiram indivíduos (mulheres) que as usaram corretamente, batalhando por direitos concretos e igualdade de fato. Nada mais do que justiça, enfim.

Assim, em uma época de patrulhas, onde vale muito mais apontar o dedo, estufar o peito e tentar ganhar as discussões no grito, é sempre bom quando há bom senso vindo da arte, um meio tão importante para se debater temas complexos e proporcionar reflexões fundamentais. Este “As Sufragistas”, longa escrito, dirigido e protagonizado apenas por mulheres, presta um grande serviço à todos quando aborda com sobriedade toda a luta do verdadeiro feminismo no início do século passado, em um período ao mesmo tempo triste e libertador.

Aqui, acompanhamos a história de Maud (Carey Mulligan), uma jovem que trabalha em condições similares à escravidão em uma lavanderia em Londres, quando acaba por se envolver com o movimento sufragista, que ganhava corpo na cidade naquela época. Mais preocupada com o filho e o marido do que com engajamentos políticos, Maud, vendo os absurdos que ocorrem com suas colegas de trabalho participantes do movimento, aos poucos se entrega à causa, passando a ser uma de suas maiores representantes. Lá, ela conhece outras líderes do grupo, como Edith (Helena Bonham Carter) e a maior de todas, Pankhurst (Meryl Streep), foragida da polícia local.

Além do direito ao voto, a organização também reivindicava salários mais justos e equalizados para ambos os gêneros, e também um tratamento mais digno para com as mulheres, enxergadas sempre sob uma ótica machista e patriarcal (qualquer semelhança com os tempos atuais não é mera coincidência), como se o único motivo da sua existência fosse servir como objeto em função do homem. A dura repressão à qual são submetidas as manifestantes são sintomáticas quando contrastadas com suas bandeiras, só mostrando o quão importantes elas são, também sendo um assunto que podemos relacionar com o que ocorre no mundo (e no Brasil, especificamente) nos dias de hoje.

Neste sentido, é interessante notar como o roteiro de Abi Morgan instiga essas questões de maneira incisiva, buscando sempre uma ponte com debates contemporâneos, como, por exemplo, o tipo de manifestação moralmente aceitável que seria direito de todo cidadão. O movimento sufragista é constantemente flagrado em protestos marcados pela violência, quebrando lojas, saqueando, depredando patrimônio público e muito mais; “A lei não nos respeita, por que devemos respeitá-la?”, questiona a personagem de Helena Bonham Carter em dado momento. É um ponto interessante, e as próprias personagens envolvidas parecem ter dúvidas quanto à abordagem (muitas vezes) animalesca que escolheram adotar. Por outro lado, não é compreensível tais métodos depois de tanto tempo de repressão, injustiça e crueldade? A reflexão fica, e o próprio filme faz questão de oferecer mais questões do que respostas, o que se mostra altamente saudável e inteligente.

Diante de temáticas tão complexas, a diretora Sarah Gravon, juntamente com o responsável pela fotografia, Eduard Grau, opta por uma abordagem seca e fria, ilustrando, uma vez que a trama é vista sob o olhar da reprimida Maud, a desumanidade à qual são submetidas aquelas mulheres. Neste sentido, é quase como se estivéssemos acompanhando um documentário (reforçado pelo fato da história ser baseada em eventos e personagens reais) em preto e branco, tamanha a falta de cores vivas em tela, e a opção por ambientes sempre fechados e escuros, ou, quando abertos, prevalecendo o tom cinza característico da capital inglesa.

Por vezes, entretanto, o fato de estarmos acompanhando uma história de ficção baseada em fatos reais, e não um documentário, como os realizadores parecem querer apresentá-lo, enfraquece o que poderia ser um enredo muito mais marcante, escancarado problemas relativamente graves de ritmo e de uma falta de laço emocional melhor construído com o espectador. Assim, quando o clímax nos é apresentado (ou mesmo em momentos diversos ao longo dos 105 minutos de projeção), pouco conseguimos nos importar com o destino daquelas personagens (com exceção de Maud), e os picos dramáticos são prejudicados justamente pela ausência de um desenvolvimento melhor trabalhado nesta direção.

Dessa forma, temos uma obra importante, que se destaca mais pelas reflexões atuais propostas, do que pela história de fato contada, ou por personagens particularmente marcantes. Tecnicamente e artisticamente impecável, “As Sufragistas” é um filme que todos que se arvoram em discutir com queixo empinado as bandeiras do feminismo (e de outros movimentos sociais) no século XXI deveriam assistir.