Roteirista de "Capitão Phillips" decepciona ao adaptar cinema argentino para Hollywood.
Não é de hoje que Hollywood faz adaptações de filmes estrangeiros para uma versão que agrade o seu mercado interno, desacostumado a ler legendas. Houve a produção em série de obras de terror japonês (muitas com resultado duvidoso). Houve também ótimos momentos, como “Os Infiltrados” e “Os Homens Que Não Amavam As Mulheres”. Em outros casos, o resultado final deixa um gosto estranho no público, algo entre “Era mesmo necessário?” e ”Ok, dá pra ver. Mas acho melhor o original”. É nesse espaço que se encaixa “Olhos da Justiça”, adaptação, dirigida pelo iniciante Billy Ray, da recente obra-prima argentina “O Segredo dos Seus Olhos”, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2010.
O filme conta a história do ex-agente do FBI Ray (Chiwetel Ejiofor), que acredita ter encontrado, depois de treze anos, o paradeiro de Marzin (Joe Cole), o homem que violentou e matou a filha de sua parceira, Jess (Julia Roberts). Porém, para conseguir desenterrar o caso e atingir seu objetivo, precisará da ajuda de outros companheiros da época do crime, como Bumpy Williams (Dean Norris) e Reg Siefert (Michael Kelly), além de precisar lidar com seu grande amor, Claire (Nicole Kidman).
A partir daí, a trama se desenvolve entre idas e vindas no tempo, com as duas investigações ocorrendo paralelamente. E esse é um dos pontos altos da narrativa, uma vez que tudo que acontece em cada fase, como os mistérios e motivações dos personagens, fazem a história andar, instigando a curiosidade do expectador. Mas aí também entra a questão citada no início do texto: será que há surpresas para o público?
Afinal, por mais que a ideia fosse criar uma versão da obra original, o que se vê, ainda que com pequenas alterações, é uma refilmagem quase quadro a quadro. E nem todos podem fazer um trabalho do nível de Juan José Campanella. Mesmo que alguns momentos sejam ótimos, como a reação dos protagonistas ao descobrirem o corpo na cena do crime, outras passagens chegam a ser constrangedoras, como o genial plano sequência pelo estádio do Racing de Avellaneda, que é reduzido a uma perseguição burocrática, repetitiva e tão picotada quanto cenas de ação comandadas por Michael Bay, se transformando em um dos momentos mais constrangedores do longa. Além disso, há um excesso de planos fechados que comprometem tanto a compreensão quanto o valor artístico dos enquadramentos.
Mas nem tudo são problemas. O elenco recheado de estrelas faz um trabalho excelente, que se sobressai bem mais que o resultado final. Chiwetel Ejiofor esta bastante convincente em retratar tanto a obsessão em encontrar o criminoso que o assombrou por tanto tempo quanto o sofrimento em ter que reencontrar a mulher amada. Nicole Kidman corresponde a altura, conferindo imensa credibilidade e firmeza a uma personagem de aparência tão frágil, como na sequência do interrogatório. Dean Norris e Michael Kelly, assim como Alfred Molina, aproveitam bem o pouco tempo de tela (um pouco maior para Norris). No entanto, o grande destaque vai para Julia Roberts. Não apenas pelo arrebatador momento em que chega a cena do crime, mas por todo o desenvolvimento de sua personagem. A desconstrução psicológica pela qual ela passa é transmitida não só pela perda de peso, mas também fica visível no fim de sua vaidade, uso de roupas frouxas e velhas, cabelo mal cuidados e um olhar sempre perdido e sem vida.
Billy Ray demonstrou ser um bom roteirista (tendo recebido até uma indicação ao Oscar por “Capitão Phillips”) com as adaptações que fez para sua versão da história, mas ainda não foi dessa vez que convenceu como diretor.