Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Sicario: Terra de Ninguém (2015): o horror da guerra contra o tráfico pelas lentes de Villeneuve

Com ótimo elenco e a assinatura do bom diretor canadense Denis Villeneuve, longa instiga pela atmosfera de tensão eficientemente criada e pela sobriedade com que aborda temas complexos.

O diretor canadensesicario Denis Villeneuve já provou algumas vezes que é mais um dos bons cineastas da sua geração. Para citar apenas seus dois trabalhos mais recentes, “Os Suspeitos” e “O Homem Duplicado”, Villeneuve consegue assinar suas obras com um estilo elegante (mas sem ser soar pedante), ainda que ambas possuam temáticas e propostas completamente distintas entre si. A abordagem é soturna, melancólica, e um tanto quanto pessimista, e as histórias são protagonizadas por indivíduos multidimensionais, que despertam o interesse e o fascínio daqueles que os acompanham do lado de cá da tela. As suas motivações e a psicologia por trás destas são recheadas de tons de cinza, jamais muito preto ou muito branco.

Neste “Sicario: Terra de Ninguém”, claro, não é diferente. A assinatura do diretor está lá, e novamente a trama em nada tem a ver com a de seus filmes anteriores. Escrito por Taylor Sheridan, aqui acompanhamos Kate Macer (Emily Blunt), uma agente da FBI que é escalada para uma força-tarefa que visa derrubar o chefe de um grande cartel mexicano. Posta em meio a uma operação de procedência duvidosa e encabeçada por agentes de motivações desconhecidas e métodos questionáveis, Kate terá que lidar com todo o horror brutal da guerra contra o tráfico internacional de drogas.

Para qualquer realização mediana, essa série de camadas seria de complexa execução, mas com o texto redondo de Sheridan, as atuações seguras de Josh Brolin, Benício Del Toro e Emily Blunt, e a mão firme de Villeneuve, tal tarefa acaba se tornando bastante simples. O canadense prova que possui total domínio da linguagem cinematográfica quando comunica muito mais com uma troca de olhares, com um silêncio, do que com um diálogo expositivo óbvio e repetitivo. Enfim, aquilo que todo bom diretor faz: mostrar, não dizer. Não à toa, com menos de 30 minutos de projeção, já somos atraídos por aqueles personagens e toda a empreitada que os espera dali em diante.

Apoiado por uma trilha sonora de sons graves, que realça a tensão a todo instante, além de uma fotografia melancólica e recheada de tons cinzentos (noite, ambientes fechados) e amarelados (dia, ambientes abertos) que combinam com os cenários desérticos onde a história se passa, o longa é bastante eficiente ao criar uma atmosfera de suspense magnético que prende a atenção do espectador do começo ao fim. No início do desenlace da trama, a assustadora cena de ação que se passa toda no escuro, sob visão infravermelha, em especial, é orquestrada com maestria ímpar por Denis Villeneuve, no melhor estilo “O Silêncio dos Inocentes”.

Em que pese tudo isso, a mensagem por trás de enredo tão pesado poderia ser estragada caso não fosse passada com a sutileza e o tom correto. Confesso que já estou um pouco cansado desse tratamento dado a obras com essa temática, onde se busca igualar os americanos aos inimigos que eles estão buscando combater. Pode até ser preciosismo da minha parte, mas o que vejo é que, seja em filmes supostamente “patrióticos” como “A Hora Mais Escura”, onde as cenas de tortura cometidas por ianques são impetuosamente mostradas, ou nos documentários radicais de Michael Moore, há sempre uma tentativa, às vezes disfarçadas, outras escancaradas, de se aplicar um relativismo que coloque os Estados Unidos (ou o Ocidente de uma forma geral) como tão terrorista quanto os fundamentalistas islâmicos, por exemplo, ou, no caso, os traficantes assassinos do México.

Para minha grata surpresa, ainda que haja uma certa inclinação neste sentido, especialmente em seu desfecho, “Sicario” jamais se entrega fortemente à esse clichê moderno, o que eleva sua trama a um nível muito superior ao dessas abordagens tacanhas. Aqui, as motivações dos personagens são muito mais ambíguas e complexas do que aparentam, e só vamos descobrir a realidade da situação quando já estamos nos aproximando do clímax, de maneira orgânica ao que vemos em tela até aquele momento e fiel à sua narrativa cética e melancólica, sem nunca descambar para o lado antiamericano da conjuntura só por o fazer.

Assim, por mais que exista uma “subtrama” paralela de um policial mexicano e sua família que não faça muito sentido, ela não é o suficiente para atrapalhar um roteiro bem escrito, que passa o seu recado com habilidade, de maneira direta e sem apelações. À isso, junte-se a destreza de Denis Villeneuve em conduzir o script com a competência habitual, ótimas atuações, e o que temos como resultado é uma obra instigante, que fustiga temas fortes e que precisam ser debatidos com a clarividência que os realizadores propõem.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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