Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Ponte dos Espiões (2015): Steven Spielberg retorna em ótima forma

Um filme que tem como essência o estilo técnico e temático de Steven Spielberg. Trazendo contestação social e dando um novo frescor à sua fase contemporânea.

ponteJá faz algum tempo que o lendário Steven Spielberg vem entregando trabalhos deveras medianos, se comparados à brilhante carreira que construiu ao longo dos anos. Clássicos que vão de “Tubarão” (1975) e “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981) a “E.T. – O Extraterrestre” (1982) e “A Lista de Schindler” (1993). Talvez o pulsante “Munique” (2005) tenha sido seu último excelente longa lançado, ainda que “As Aventuras de Tintim” (2011) seja um suspiro em meio aos soníferos “Cavalo de Guerra” (2011) e “Lincoln” (2012). Em todo caso, é impossível negar o amor desse homem pela arte e o empenho em sempre estar produzindo. Seja então dirigindo, escrevendo ou mesmo atuando como produtor.

Fato que se repete neste “Ponte dos Espiões”, que não só comanda como também produz ao lado do velho parceiro Tom Hanks, que protagoniza o filme. Uma obra que tem como essência o estilo técnico e temático do autor, e que traz um bom frescor à sua fase contemporânea. Não apenas pela elegante construção e condução narrativa, mas por abordar assuntos tão delicados como guerra, intrigas políticas e julgamento de valores patrióticos, com sobriedade e coragem – e se tratando do Spielberg, pelo alcance que tem, é algo realmente louvável.

A fita aborda o caso do espião soviético Rudolf Abel (Mark Rylance), que é capturado pelas forças americanas em plena era do comunismo stalinista, onde a população pede não a prisão, mas literalmente a cabeça do sujeito. Para defendê-lo está o advogado especializado em seguros James Donovan (Hanks), um homem que, após analisar a situação e conversar com o réu, começa a ter uma visão mais humanizada do “comuna devorador de criancinhas” taxado pelo país. Este, aliás, é o grande acerto de Steven Spielberg, fazer com que o outro lado ganhe tridimensionalidade e não apenas seja enxergado por tons de cinza. Levando a alegoria para nossa terra, a bandeira de “bandido bom é bandido morto” não se faz presente aqui.

Através de uma defesa possível e inteligente, Donovan faz com que o governo americano entenda que Abel pode não só servir como exemplo mas também como moeda de troca caso a situação aconteça na Rússia. E não dá outra, dois estadunidenses são capturados e, a partir daí, começa um jogo de permuta de interesses políticos, encabeçado pelo advogado. E o modo como o diretor explora esse dilema chama atenção pela maneira neutra empreendida, tentando ao máximo fugir de maniqueísmos. Ainda que vez ou outra se veja a postura americana mais humana e que o ato de altruísmo parta do protagonista. Mas nada que agrida o espectador ou ambas as partes.

Detentor de uma refinada estética narrativa e visual, construídas pelas lentes frias e melancólicas de Janusz Kaminski, “Ponte dos Espiões” é completamente estabelecido em cima de diálogos que, por serem assinados pela dupla Joel e Ethan Coen, abrem margem até para uma acidez cômica. E assim, ajudado por uma atmosfera absolutamente soturna – a trilha sonora de Thomas Newman tem grande função para isto –, Spielberg consegue envolver o público, que pelo meio do segundo ato está completamente imergido na trama. O cineasta também é hábil na construção dos personagens, já que todos têm arcos próprios e possuem camadas, tornando assim o processo de identificação instantâneo.

Temos um elenco competente, com destaque especial para Mark Rylance, que com trejeitos sutis e olhares profundos engendra a crível e misteriosa personalidade de Rudolf Abel. Rylance deve provavelmente ter seu nome cativo em várias premiações. Hanks também está ótimo e consegue passar veracidade com o cansaço vivido pelo seu Donovan. O ator traz muito peso à figura aludida.

É bem verdade que o filme soe tanto prolixo e tenha lá sua série de pieguices – que é até uma marca registrada do diretor. A cena final no metrô repetindo um momento do longa, retratada depois de modo vitorioso e o encontro familiar são exemplos de excessos que podiam passar. Mas nada que manche de alguma maneira a excelência artística, política e social da obra num todo. “Ponte dos Espiões” é sem duvidas um dos filmes mais interessantes de Steven Spielberg em anos.

Wilker Medeiros
@willtage

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