Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Peter Pan (2015): uma linda e previsível Terra do Nunca

Tentativa de dar uma nova origem para os personagens criados por Sir. James M. Barrie, este novo trabalham-se Joe Wright é incrível do ponto de vista visual, mas empaca em um roteiro arrastado, esquemático e previsível, em uma das mais fracas adaptações de Peter Pan para o cinema.

imageEra uma vez, um menino que não queria crescer e que sabia voar. De uma ilha encantada repleta de magia, fadas, sereias, piratas e aventuras que faziam o sabor da infância durar para sempre. Uma história tão mágica que foi recontada tantas vezes e jamais perdeu o frescor.

Por isso, deve ter sido difícil para os fãs da obra de J.M. Barrie não ficarem animados quando foi anunciado que está nova versão de “Peter Pan” seria dirigida por Joe Wright, um dos cineastas com maior apuro visual em atividade hoje (vide “Desejo e Reparação” e “Anna Karenina“).

Do ponto de vista plástico, o longa é magnífico, colorido, repleto de luzes e designs únicos, especialmente no contraste entre a fria Londres durante a Segunda Guerra Mundial (não menos fabulesca) e a fascinante Terra do Nunca. O problema é que o roteiro de Jason Fuchs (“A Era do Gelo 4“) não conseguiu capturar aquilo que faz dessa história única, apresentando uma trama de origem que transforma Peter em outro dos “escolhidos” do cinema.

De certo modo, o filme é o inverso de “Hook – A Volta do Capitão Gancho” (1991, Steven Spielberg). Enquanto aquela produção se concentrava em um possível futuro para o herói voador, aqui vemos o seu passado. Abandonado em um orfanato quando bebê, o curioso Peter (Levi Miller) é levado junto-me diversos outros órfãos para a Terra do Nunca pela tripulação do pirata Barba Negra (Hugh Jackman) para trabalhar nas minas de pixum (o velho e bom pó de pirimpimpim).

Lá, ele acaba descobrindo seu destino de herói e embarca em uma aventura ao lado do aventureiro James Gancho (Garett Hedlund) e da nativa Princesa Tigrinha (Rooney Mara) para libertar a Terra do Nunca do domínio de Barba Negra.

Algumas inovações propostas pela produção à franquia funcionam muito bem. O conceito (rapidamente abordado e logo abandonado) da Terra do Nunca estar deslocada no tempo e no espaço é ótimo, proporcionando momentos como a versão de “Smells Like Teen Spirit” cantada pelos piratas. Os nativos da Terra do Nunca virarem fumaça colorida ao morrerem também combina com o que conhecemos do local e funciona plasticamente muito bem. Até mesmo a busca de Barba Negra pela vida eterna encontra eco na filmografia de Hugh Jackman, remetendo a “Fonte da Vida”.

O problema da fita não está nesses novos conceitos, mas sim no plot central da trama, que nos brinda com mais uma profecia de um guerreiro escolhido para lutar contra o mal, em uma mistura insossa de “Avatar” e “Star Wars”, onde a Terra do Nunca vira Pandora, com Peter, Princesa Tigrinha e Gancho tomam os lugares de Luke Skywalker, Princesa Leia e Han Solo, respectivamente.

O roteiro de Fuchs segue de maneira tão próxima esses filmes que, em alguns momentos, parece mais um estudo sobre “A Jornada do Herói” de Joseph Campbell do que uma história sobre Peter Pan, tornando a narrativa extremamente previsível. Pior: ao tornar Peter apenas mais um “eleito”, o guião o transforma em uma engrenagem do destino, tirando do personagem-título sua aura desafiadora.

O pathos clássico associado a Peter Pan é o do menino que desafia as convenções, recusa-se a crescer e luta contra a autoridade e as idiossincrasias dos adultos. Ao encaixá-lo dentro de uma profecia, o personagem acaba perdendo um pouco de seu espírito anárquico, justamente porque o seu comportamento passa a se encaixar em um padrão esperado. Até mesmo o medo de altura do personagem-título se mostra derivativo, tirado diretamente do já citado “Hook – A Volta do Capitão Gancho”.

O primeiro ato da produção, que mostra um Peter agitado e rebelde contra a monstruosa freira que administra o orfanato é o melhor momento da projeção para Levi Miller, único momento em que o jovem ator se mostra confortável no papel. A partir desse ponto, o herói passa a entrar em uma gangorra entre maravilhamento e dúvida, prejudicando o envolvimento do público com o protagonista indeciso, culminando no fraco duelo final no qual Peter faz pouco mais que apontar ataques de fadas contar seus adversários – nada de espadas para esse Pan.

Nisso, o Gancho de Garrett Hedlund, que encarna uma mistura de Harrison Ford e Tom Hiddleston, acaba tomando muito do espaço de Peter com sua atitude mais egoísta. Aqui, Gancho é o malandro bom de briga com uma consciência pronta para florecer e, apesar do romance forçado com a Princesa Tigrinha, ele acaba se mostrando uma figura mais interessante que o próprio Peter – embora não menos previsível. Apresentada apenas em meados do segundo ato, a Princesa Tigrinha acaba sendo vítima de uma má escalação de elenco, com a alvíssima Rooney Mara encarnando a índia guerreira sem muito destaque.

Já Barba Negra começa como um vilão potencialmente memorável, mostrando-se ameaçador e complexo, muito por conta da carismática interpretação de Hugh Jackman. No entanto, aos poucos, ele cai no lugar comum, algo recorrente na produção como um todo. Jackman tenta transformar Barba Negra em um personagem tridimensional, mas acaba sempre voltando para o mesmo ponto.

Em pontas, vemos as beldades Amanda Seyfried e Cara Delevingne sempre transformadas. Seyfried aparece em versões bem diferentes, em carne-e-osso, madeira, água e luz, mais reforçando os bons efeitos especiais que a sua interpretado. Já Delevingne surge triplicada como as sereias da Terra do Nunca.

A história original de Barrie encantou as crianças através da magia de seus personagens. Aqui, mesmo com Joe Wright tendo as ferramentas certas para mostrar o mais fantástico dos visuais em tela, o diretor entrega um filme que segue aos trancos, barrancos e chavões, desprovido de brilho e fantasia, um punhado de clichês travestido de Peter Pan, que jamais decola verdadeiramente.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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