Com roteiro frágil e recheado de piadas pouco refinadas, longa não consegue se desvencilhar da sombra televisiva que lhe deu origem.
“Vai que Cola” é um seriado de comédia do canal por assinatura Multishow, que acompanha a vida de um grupo de suburbanos que moram juntos na pensão da Dona Jô, no bairro do Méier, zona norte do Rio de Janeiro. Construído em formado de sitcom, com interação constante entre palco e plateia, os artistas possuem bastante flexibilidade de roteiro, com espaço para improvisações e até erros ao vivo, algo que o público brasileiro já tinha visto, por exemplo, em “Sai de Baixo”, seriado de comédia bem sucedido da TV Globo do final dos anos 90.
Confesso que não acompanho a série, e tudo o que explicitei sobre ela é resultado de algumas visitas esporádicas e perdidas quando passo pelo canal e uma rápida olhada pelo Google para um breve aprofundamento. Considero Paulo Gustavo um bom comediante, ainda que não se mostre muito eclético quanto ao tipo de papel que costuma interpretar (basicamente sendo sempre ele mesmo), e, pelo pouco que acompanhei do seu seriado, acho que tem potencial e uma premissa cômica interessante. Até que surgiu este “Vai Que Cola – O Filme” para por em cheque algumas de minhas rasas crenças pré-estabelecidas.
A “traminha” (como o próprio Paulo Gustavo faz questão de colocar, num auto-bullying apropriado) gira em torno da possibilidade do trambiqueiro Valdomiro (o próprio) sair do Méier e retornar à sua cobertura no Leblon, por meio de um acordo de procedência duvidosa com seu ex-sócio, Andrada (Márcio Kieling). Acontece que, em paralelo a essa oportunidade, as estruturas físicas da pensão de Dona Jô (Catarina Abdalla) parecem estar condenadas, o que faz com que a Defesa Civil interdite o estabelecimento. Juntando o (in)útil ao (des)agradável, toda a turma acompanha Valdomiro para uma temporada no bairro mais chique e cheio de glamour da Cidade Maravilhosa.
Veja bem, o fato de você precisar colocar “O Filme” como subtítulo de qualquer obra cinematográfica já denuncia que esta, talvez (provavelmente), não seja a melhor plataforma para se comunicar com o seu público. Como já colocado, a série parece ter bom domínio da linguagem proposta, mas a partir do momento que você transporta este produto para um novo tipo de mídia, no caso o cinema, é preciso fazer uma série de adaptações que sejam condizentes com todo um diferente tipo de narrativa. Esta inabilidade em lidar com tais mudanças talvez seja, entre alguns outros, o grande calcanhar de Aquiles do longa.
Neste sentido, as seguidas tentativas de Paulo Gustavo em conversar com a câmera, soltando piadinhas sobre as situações que estamos acompanhando, soa vazia e sem sentido. Uma tentativa rasteira de quebra de quarta parede na esperança de manter o espírito da sitcom que lhe deu origem, onde a plateia é quase um personagem extra dentro da história. A direção de César Rodrigues também se mostra um tanto quanto preguiçosa, frequentemente focando em primeiro plano a cara de um dos personagens enquanto este faz alguma “gracinha”, depois focando na cara de outro personagem que reage à tal “gracinha”, repetindo esse processo inúmeras vezes. É quase como se estivéssemos acompanhando uma sequência de esquetes de gosto duvidoso, amarradas por um roteiro pouco consistente.
Até existe, por trás da premissa, um subtexto interessante de um grupo de moradores da periferia indo morar em um bairro nobre recheado de artistas, e suas dificuldades e deslumbramentos com tal mudança, mas que acaba se perdendo no tal script frágil e desleixado, escrito por Luiz Noronha, Leandro Soares e Fil Braz, que prefere apostar na construção de estereótipos para fazer rir.
Assim, as comicidades envolvendo o personagem de Marcus Majella, Ferdinando, o gordo homossexual, só se propõe a ser engraçada porque ele reforça tais características superficiais. O mesmo vale para o cara “fortão” e burro, Máicol (Emilliano D’Ávila), a loira gata e “saidinha” (Fiorella Mattheis), a obesa de linguajar chulo que tenta ser sensual (Cacau Protásio), etc. “Olha como ele é forte e burro!”, “Olha como ela é gorda e tenta ser sensual!”, parecem gritar os realizadores na cara do espectador.
Certa vez, conversando com um grupo de amigos sobre a possibilidade da série clássica “Friends” ganhar um filme, discutíamos sobre os recursos a serem utilizados para se fazer esse transporte de um seriado de TV, que se apoia bastante na muleta das risadas de fundo (e isso não é nenhum demérito), para o cinema, onde isso é completamente impraticável. Aos trancos e barrancos, chegamos a um relativo consenso de que seria melhor nunca haver tal adaptação, pois a série perderia um pouco da sua identidade tal qual éramos acostumados. Talvez, este “Vai Que Cola – O Filme” devesse ter enveredado para o mesmo caminho; ficando na televisão, onde alcança o sucesso que almeja e com alguma qualidade (não tenho base para fazer julgamentos mais aprofundados), e ter deixado o cinema em paz.