Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Homem Irracional (2015): filosofia, crime e castigo no novo e mediano filme de Woody Allen

A despeito de conceitos interessantes e um trio de atores em plena forma, o filme da safra 2015 de Woody Allen revela-se um thriller intelectual morno e sem rumo, longe do que o cineasta pode apresentar de melhor.

imageSem dúvida alguma, Woody Allen é um dos cineastas mais ativos da atualidade, lançando praticamente um filme por ano mesmo já quase aos 80 anos de idade. Por mais talentoso que Allen seja (e o é), seria desumano exigir que todos os longas do diretor/roteirista tivessem o nível de um “Meia-Noite em Paris” ou “Blue Jasmine”, só pra ficar em suas mais recentes obras-primas.

Seu mais recente trabalho, “Homem Irracional”, tem a grife Allen em seu cartaz, mas será relegado a ser apenas uma nota de rodapé na filmografia do nova-iorquino, mais ou menos como “O Sonho de Cassandra” – coincidentemente, o último filme de Allen a lidar com uma temática sombria. Não que seja um filme ruim, longe disso, mas é uma produção sem foco ou entusiasmo, indecisa quanto a seus próprios rumos, algo que, ironicamente, reflete o estado no qual encontramos inicialmente o seu personagem principal.

Abe (Joaquim Phoenix) é um professor de filosofia que perdeu a paixão de viver. Entregue a uma decadência física e a uma apatia intelectual que parecem ter lhe roubado a libido e a inspiração, ele é a própria definição de um ser humano à deriva. Apesar de tudo isso, Abe acaba estabelecendo relações semi-amorosas com duas mulheres.

A primeira é Jill (Emma Stone), uma bela jovem em um relacionamento estável com um rapaz bem-intencionado, mas que se encantou com a visão de mundo cínica e niilista desse homem sem prumo. A outra é Rita (Parker Posey), colega de docência de Abe que vê nele uma saída para um casamento falido.

Certo dia, em um passeio casual com Jill, Abe escuta as lamúrias de uma pobre mulher, vítima dos desmandos de um juiz corrupto. Subitamente, Abe reencontra um significado para sua vida, planejando cometer aquilo que considera um “ato existencial”. No entanto, Jill desconfia das ramificações morais e éticas dessa súbita renascença de seu professor e amante.

A despeito da discussão interessante que Allen parece disposto a propor nos dilemas encarados por Abe e Jill, enraizados nas obras de Imannuel Kant e Fiódor Dostoiévski, o cineasta parece receoso em aprofundar esses temas, não sabendo exatamente o que fazer com seus personagens. Jill e Abe se revezam como narradores e há uma interessante brincadeira com o tempo dessas intervenções que chama rapidamente a atenção do espectador, mas é o máximo de ousadia que Allen parece injetar dentro da narrativa.

Com o autor em um piloto automático, resta aos atores tentarem trazer alguma cor a mais para esse noir filosófico/intelectual. Ao menos o trio central da trama não desaponta, especialmente Joaquim Phoenix, cuja composição de Abe em seus três momentos diferentes (espelhados nos próprios atos da história) é a melhor coisa da fita. Emma Stone está encantadora e surpreendentemente contida, apresentando uma boa química com Phoenix. Já Parker Posey, sempre uma atriz marcante, faz malabarismos para tornar sua tão prosaica Rita em uma persona minimamente marcante.

Sem grandes atrativos em sua fotografia ou trilha sonora e com um uso do artifício dramático da “Arma de Chekhov” que caminha perigosamente entre o estúpido e o hilário, “Homem Irracional”, mesmo com toda sua pompa filosófica, acaba sendo apenas o filme de Woody Allen de 2015 e só.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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