Um degrau acima da mediocridade do cinema comercial brasileiro
O cinema brasileiro precisa constantemente se provar. Para cada “O Lobo Atrás da Porta”, entram em cartaz vários Leandro Hassuns que fazem com que a credibilidade do público na produção nacional dê dois passos para trás. Agora em 2015, esse mesmo problema pode ocorrer.
“Entrando Numa Roubada” conta a história de como um grupo de amigos, formado por Vitor (Bruno Torres), Walter (Lúcio Mauro Filho), Laura (Deborah Secco) e Eric (Júlio Andrade) foram passados para trás pelo antigo companheiro Alex (Marcos Veras), que sumiu com o lucro do filme Missão Explosiva, que fizeram em conjunto. Depois de ganhar um prêmio de cem mil reais num concurso de roteiros, Vitor quer voltar ao Cinema e tenta juntar os amigos. É aí que Eric vê uma oportunidade de se vingar de seu desafeto, enquanto, paralelamente, junta um bom dinheiro: Assaltar dezenas de postos de gasolina em locais ermos como se fizessem parte da produção.
O roteiro acerta bastante na construção dos personagens, ao mostra-los no auge do sucesso, de forma que a realidade melancólica e decadente que se encontram tenha um impacto maior sobre o espectador. Outro grande acerto é a inserção de uma personagem, interpretada por que pareça uma luz da razão, para demonstrar, depois que descobre o que está acontecendo, o quão absurdo é aquela situação. Infelizmente essa força diminui por conta da velocidade com que ela cede às intenções do grupo.
Durante a jornada para colocar o plano em prática, o longa ganha contornos de um road movie, com várias referências a obras hollywoodianas, como “Assassinos por Natureza”, “Snatch – Porcos e Diamantes” e “Um Drink No Inferno”, com fortes influências de Guy Ritchie e Quentin Tarantino. Os aspectos visuais também remetem bastante a esses cineastas, ainda que mantenha uma (boa) estética própria, como uma fotografia com cores quentes, planos fechados, uma montagem rápida e frenética. Mesmo assim ainda há alguns deslizes, como a entrada do motel no terceiro ato, que deixa uma impressão de imitação mal acabada.
A direção de arte merece um destaque especial, ao criar um mundo atemporal, que não permite que o espectador tenha certeza da época em que tudo está ocorrendo. Há tecnologia de vídeo, mas ninguém usa smartphones ou internet. Há veículos antigos, mas o carro utilizado pelo grupo é bastante antigo, provavelmente dos anos setenta.
No entanto, o ponto alto é realmente o desenvolvimento e a relação entre os personagens. Lucio Mauro Filho é uma boa surpresa ao finalmente poder fazer parte de um filme que explora seu trabalho de ator, com um personagem com uma certa profundidade (ainda que ligeiramente histriônico e estereotipado em algumas passagens), em vez de ser apenas o palhaço que profere suas falas gritando desesperadamente. Júlio Andrade demonstra seu talento habitual como o magoado, frustrado e vingativo Eric. Deborah Secco também realiza em excelente trabalho, especialmente em sua grande cena no terceiro ato, ainda esbanjando boa forma depois de sua debilitação física para a participação em “Boa Sorte”. Bruno Torres fica um pouco abaixo dos seus colegas, ao demonstrar um excesso de fragilidade pouco convincente para o papel que representa, ainda que tenha alguns momentos de brilho. Marcos Veras fecha o elenco principal com excelência ao retratar uma liderança religiosa que todo o público irá facilmente reconhecer.
“Entrando Numa Roubada” demonstra que, com boas ideias e um pouco mais de apreço artístico o cinema brasileiro tem toda a capacidade de se livrar do estigma sertão-favela-comédia sem graça que assolam nossas salas por todo o país.