Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 08 de setembro de 2015

O Agente da UNCLE (2015): sofisticação e pancadaria em uma charmosa aventura

Mesmo escorregando no terceiro ato, Guy Ritchie faz dessa adaptação da série de TV homônima um bom divertimento, muito por conta da ótima química entre o trio de protagonistas.

image2015 deverá ficar marcado como o ano dos espiões. Além dos veteranos James Bond e Ethan Hunt e do novato Eggsy Unwin (sem contar a hilária Susan Cooper, de “A Espiã que Sabia de Menos”), mais uma dupla de agentes secretos de outrora surge na telona, os pouco conhecidos Napoleon Solo e Ilya Kuryakin, heróis desta adaptação homônima da série de TV sessentista “O Agente da UNCLE”.

Dirigido e co-roteirizado por Guy Ritchie, que estava sumido desde “Sherlock Holmes – Um Jogo de Sombras”, o longa traz todas as marcas do cineasta britânico, com a agilidade dos diálogos sendo acompanhada de um jogo de câmeras e montagem tão astutos e dinâmicos quanto a língua ferina dos personagens – além de uma trilha sonora certeira. Mas me adianto.

A trama se passa no auge da Guerra Fria, quando um cientista brilhante é raptado por simpatizantes do nazismo, podendo armar esses vilões com uma nova espécie de bomba atômica. Para evitar que isso aconteça, os EUA e a União Soviética unem forças, colocando seus melhores agentes, justamente Napoleon Solo e Ilya Kuryakin, para trabalharem juntos no caso.

Vividos respectivamente pelos galãs Henry Cavill e Armie Hammer, os dois possuem estilos bem diferentes de ação, algo que, somado com as diferenças ideológicas entre eles, os coloca em pé de guerra. Enquanto Solo adota um modo de agir pautado pela elegância e sofisticação, Kuryakin tende a ser mais explosivo e direto. No meio do Cowboy e do Perigo Vermelho está Gaby (Alicia Vikander), a pragmática filha do cientista raptado, que se vê obrigada a trabalhar com esta nada afiada dupla para resgatar seu pai e salvar o mundo.

É impossível não perceber as dezenas de insinuações sexuais que Ritchie e seu co-escritor, Lionel Wigram (“Sherlock Holmes“), colocaram no meio das trocadores entre os dois – extremamente heterossexuais – heróis, no melhor estilo “Top Gun – Ases Indomáveis”, o que traz um ótimo humor ácido a esses momentos, com os protagonistas apresentando uma divertidíssima química.

Henry Cavill se mostra confortabilíssimo no papel do malandro Solo, seduzindo a mulherada a torto e a direito e mostrando um comportamento que alterna entre a canastrice e a elegância que casa muito bem com seu personagem. Dois momentos se sobressaem, aquele onde Solo está em um caminhão comendo um sanduíche (com a interpretação de Cavill ganhando o bem-vindo reforço da irônica câmera de Ritchie) e aquele envolvendo um sofá.

Já Armie Hammer tem uma missão ingrata, tendo em vista que o traumatizado Ilya é um personagem mais introvertido, cujas explosões emocionais são sempre mostradas de maneira física. Nisso, seus melhores momentos são sempre ao lado de seus companheiros de cena, um na engraçada discussão em uma loja de roupas, outro em um “encontro íntimo” entre Ilya, Gaby e uma garrafa de vodka.

Alicia Vikander, como sua própria personagem admite, serve como figura materna dos dois, embora a charmosa atriz consiga demonstrar claramente que há bem mais sobre Gaby do que ela deixa transparecer, funcionado ainda como o calcanhar de Aquiles para o fortão Ilya (note-se que o filme deixa escapar que o grandalhão russo possui um certo complexo edipiano…). Por sua vez, a deslumbrante Elizabeth Debicki exagera como a vilanesca Victoria, parecendo se divertir mais do que o público com o papel da magnata nazista.

Quem surge em cena de maneira discreta e eficiente é Hugh Grant, como um Comandante da Marinha Britânica cuja presença é uma nada sutil referência a um certo colega de patente criado por Ian Fleming. Em pontas rápidas, Misha Kuznetsov e Jared Harris vivem os chefes de Ilya e Solo, com Harris sendo sempre uma interessante presença em qualquer filme.

Situar a aventura nos anos 1960 foi a melhor decisão que Ritchie poderia ter tomado. Todos os aspectos estéticos do longa se beneficiaram com isso, desde o figurino até às competentes (e só) cenas de ação, o que deu uma identidade única à produção em um ano repleto de filmes de espionagem. No fim das contas, após um terceiro ato mais arrastado e anticlimático do que se poderia esperar, “O Agente da UNCLE” pode até continuar sendo o primo pobre das franquias “Missão: Impossível” e “007”, mas consegue proporcionar duas horas de bom entretenimento.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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