Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 03 de setembro de 2015

Corrente do Mal (2014): sustos, tensão e roteiro em perfeito equilíbrio

Terror excelente mostra que o gênero ainda tem algo de novo a mostrar.

Desde o início deste século, o Cinema norte-americano parece ter redescoberto o gênero terror. Grande parte dessa atenção na década passada se deu pela forte influência, com dezenas de adaptações, de obras orientais, especialmente japonesas e coreanas. Gerou várias bombas, mas também acertos grandiosos. Felizmente, “Corrente do Mal” se enquadra na segunda categoria.

Escrito e dirigido por David Robert Mitchel, o filme conta a história de Jay (Maika Monroe), uma jovem americana que, depois de um rápido relacionamento com Hugh (Jake Weary), passa a ser perseguida por um espírito maligno. A única forma de se livrar dessa assombração é “transmitindo-a” sexualmente para outra pessoa.   No entanto, há um agravante: se a pessoa que recebeu a maldição for morta por esse espírito, ele voltará a perseguir sua vítima anterior. Para tentar se livrar desse mal, ela conta com a ajuda de sua irmã Kelly (Lili Sepe), sua amiga Yara (Olivia Luccardi), seu amigo de infância Paul (Keir Gilchrist) e o vizinho Greg (Daniel Zovatto).

A primeira dificuldade, talvez a maior, enfrentada pelo roteiro é tornar a trama minimamente convincente. E esse objetivo é alcançado sem forçar a mão na suspensão de descrença. Tudo é construído de forma gradual, de forma que o público fique bastante envolvido com os personagens principais, entenda suas motivações e passe a realmente se preocupar com o destino de cada um deles.

Esse envolvimento se deve pelas atuações equilibradas e um ótimo design de produção (mérito compartilhado pelas equipes de direção de arte e fotografia), coroados pela eficiente direção de David Robert Mitchel. Um dos únicos pontos negativos é a trilha sonora, que é bastante irregular. Quando utilizada apenas para criar a tensão necessária para determinados momentos, ou mesmo para aliviá-la, ela funciona perfeitamente. No entanto, o estreante (em longa metragens) Rich Vreeland não consegue escapar do desgastado e, dada a qualidade desta obra, desnecessário recurso de aumentar o tom e volume da trilha para intensificar os sustos. Mas nada que desqualifique consideravelmente o resultado final.

Como dito no parágrafo anterior, o trabalho do elenco é um ponto alto da fita. Jake Weary, apesar do pouco espaço, consegue retratar bem a angústia de Hugh com aquela maldição que o acompanha. Se Lile Sepe e Olivia Luccardi tem participações apenas corretas como as amigas fiéis de Jay, da mesma forma que Daniel Zovatto, Keir Gilchrist chama a atenção por conferir bastante credibilidade aos sentimentos conflitantes que tem por sua namoradinha de infância, que hoje o vê apenas como um amigo. Sua reação ao perceber que Jay o coloca em segundo plano ao escolher alguém para contaminar é um bom exemplo disso. E como não pdoeria deixar de ser, o grande destaque é Maika Monroe. Até mesmo a sua escolha para encabeçar o elenco se mostra acertada, uma vez que sua figura foge bastante do estereótipo físico para personagens dessa natureza. Mas a atriz também mostra talento para modificar toda a sua postura, expressões e tom de voz para mostrar o sofrimento, desespero e pavor a que é submetida.

Tudo isso poderia ir por água abaixo nas mãos de um diretor menos competente. Mitchel demonstra total controle do material, de sua autoria, que tem nas mãos. Um momento que denota bem essa qualidade do texto é a forma como um personagem explica como a maldição se manifesta. Em vez de um diálogo extremamente expositivo, tal informação surge de forma orgânica, inerente ao desenvolvimento da história. Como se não bastasse a ótima condução de atores, o realizador ainda constrói sequências e planos magistrais, auxiliado pelo bom trabalho de montagem, com direto a rimas visuais e enquadramentos inspirados.

“Corrente do Mal” é, além de um suspiro de inspiração dentro de um gênero que dá poucos sinais de novidade, um filme que faz com que o espectador siga refletido a respeito do que assistiu por um bom tempo.

David Arrais
@davidarrais

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