Após uma gestação extremamente turbulenta, a nova versão cinematográfica da Primeira Família dos quadrinhos chega à telona e, em muitos aspectos, consegue ser inferior à sua encarnação anterior.
Os melhores ingredientes podem resultar na pior das refeições, por diversos motivos. O cozinheiro pode não saber lidar com o que tem na mão, o fogão pode dar problemas ou alguém pode mexer na mistura enquanto o prato ainda está no forno, sem a aprovação do chefe. A culpa aqui é o de menos. O importante é que a refeição foi arruinada. E é mais ou menos isso o que aconteceu com esta nova versão do “Quarteto Fantástico”, com a Fox tendo reunido talentos da nova geração para renovar essa franquia na telona. E falhado feio.
Chega a ser incrível que esta quarta (!) tentativa de levar a primeira família da Marvel para a telona consiga ser mais um fracasso. E é o que carrega a maior decepção pois existem ótimas ideias dentro do contexto do filme, que sai do contexto de maravilhamento científico otimista dos anos 1960 – quando os personagens foram criados -, e tenta atualizá-los para os tempos atuais, mais perigosos e cínicos.
Dirigido por Josh Trank (do bom “Poder Sem Limites”), o roteiro escrito a seis mãos por Trank, Simon Kinberg (“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”) e Jeremy Slater (“Renascida do Inferno”) é uma verdadeira colcha de retalhos, com alguns conceitos promissores sendo abandonados em detrimento de plots absurdos e clichês batidos e mal trabalhados.
A trama é livremente baseada na versão Ultimate do Quarteto Fantástico, especialmente no arco “O Fantástico”, de Brian Michael Bendis e Mark Millar. Portanto, não esperem a origem clássica das HQs de Stan Lee e Jack Kirby. Recrutado direto do colegial, o jovem cientista Reed Richards (Miles Teller) trabalha na Fundação Baxter para o Dr. Franklin Storm (Reg E. Cathey), desenvolvendo um aparato de teleporte dimensional.
Ao lado de Reed, também estão no projeto os filhos de Frankiln, a introspectiva Sue (Kate Mara) e o esquentado Johnny (Michael B. Jordan), além do cínico Victor Von Doom (Toby Kebbell). Um acidente com o aparato transforma a vida dos quatro e do melhor amigo de Reed, Ben Grimm (Jamie Bell), dotando-os de habilidades especiais, habilidades estas que o governo americano quer explorar militarmente.
O longa acerta em algumas coisas. Buscando diferenciar esse reboot dos filmes da década passada, comandados por Tim Story, e da malfadada produção dos anos 90 de Roger Corman, Trank se voltou para a ficção científica mais pesada, referenciando clássicos como “A Mosca” e “Scanners – Sua Mente Pode Destruir”, fitas oitentistas de David Cronenberg sobre pessoas afetadas pela ciência, nos quais essas mutações eram tratadas mais como sintomas do que como poderes especiais. Além disso, durante a primeira metade do filme, a amizade entre Reed e Ben é analisada com delicadeza pelo cineasta e pelos atores, com especial destaque para a química entre Miles Teller e Jamie Bell.
Infelizmente, é só isso que se pode tirar de bom do longa. Completamente desconjuntado do ponto de vista narrativo e com uma passagem de tempo no final do que seria o segundo ato que só enfraquece a história, os 90 minutos de projeção se arrastam como se fossem 300. Praticamente não há interação entre o Quarteto até o clímax, privando a equipe justamente do seu grande diferencial, o fato de que eles se tratam como uma família. As cenas de ação são inferiores em qualidade e impacto até mesmo àquelas vistas em séries de TV como “The Flash”, só provocando algo na audiência quando apela para o gore.
O elenco não é culpado por isso. Os atores se saem bem quando acionados, especialmente Miles Teller. O problema é que os personagens não funcionam. A Sue Storm de Kate Mara é (sem trocadilhos) apagada em cena e nem chega a ir na aventura que transforma a equipe, se transformando apenas “na rebarba” – aliás, chega a ser patético que Reed, Johnny, Victor e Ben embarquem na malfadada expedição apenas devido a um porre que os três primeiros tomaram.
Michael B. Jordan é o que chega mais perto a ter um arco dramático na relação entre Johnny e Franklin, contando ainda com Reg E. Cathey para dar maior autoridade a essas cenas, mas é tudo tão forçado e clichê nas interações entre pai e filho que se torna impossível o público se aproximar dos dois. Até mesmo o drama do deformado Ben Grimm de Jamie Bell passa em brancas nuvens, tanto por conta do motion capture pouco expressivo, tanto por conta da já citada passagem de tempo,
Victor Von Doom é m personagem totalmente perdido na trama, com Toby Kebbell reduzido a interpretar um rebelde birrento, sem ambições ou causa definidas (com esse reboot importando ainda o triângulo amoroso Reed/Sue/Victor, uma das piores coisas da fita de 2005). Doom ainda perde o papel de antagonista central para Harvey Allen, com o ator Tim Blake Nelson carregando a caracterização antipática e arrogante do personagem basicamente mascando chiclete o tempo todo.
Desperdiçando novamente o potencial da franquia que tem nas mãos, a Fox perdeu outra excelente oportunidade de apresentar o Quarteto Fantástico ao cinema como o grupo merece, entregando um dos piores filmes baseados em HQs dos últimos anos, uma obra que consegue ser inferior à versão de 2005 em muitos aspectos. Uma pena, de fato.