Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 26 de maio de 2015

A Incrível História de Adaline (2015): a imunidade ao tempo e seus efeitos

Ainda que limitado por algumas escolhas questionáveis, longa se sobressai com eficiência ao apostar em uma premissa curiosa e destaca-se da enxurrada de obras pasteurizadas que tomaram conta do gênero nos últimos anos.

Imagine se voadalinecê pudesse passar incólume por todo o século XX, o mais revolucionário de toda a história humana? Acompanhar as subversões que mudaram o mundo, as duas Guerras Mundiais, a Guerra Fria, a corrida espacial, etc. Agora imagine também se você pudesse fazer tudo isso com a sua juventude preservada, sem sofrer com os efeitos da passagem do tempo? Afinal, isso seria uma bênção ou uma maldição? Presenciar as mudanças e a deterioração de tudo e todos ao seu redor enquanto você se mantém absolutamente intacto? Este é o caso de Adaline, neste honestíssimo romance “A Incrível História de Adaline”, escrito por J. Mills Goodloe e Salvador Paskowitz e dirigido por Lee Toland Krieger.

Envolto em um tom fantasioso que confere carisma à película, o longa acompanha a vida de Adaline (Blake Lively), nascida no início do século XX, que após sofrer um acidente de carro e receber uma descarga elétrica vinda de um raio, acaba por desenvolver um processo de paralisação do seu envelhecimento celular, se tornando, basicamente, imortal. Ainda que seja uma premissa bastante ficcional, é interessante como o roteiro faz questão de colocar um risco de ciência (ou pseudo-ciência) na situação e brincar com o fato.

Acontece que, o que inicialmente salvou sua vida e a tornou eternamente uma jovem de “29 anos”, se prova na verdade um grande problema. Todos à sua volta começam a envelhecer, se deteriorar fisicamente e mentalmente, e ela permanece intacta, sem ter como arranjar uma explicação plausível para o fenômeno. A conjuntura fica insustentável quando sua filha, que era nada mais do que uma criança na época da fatalidade, ultrapassa sua idade e fica parecendo mais uma irmã mais velha do que uma primogênita. Então, ela resolve fugir e viver como uma “ninguém” dali em diante; mudando de localidade e identidade ao longo das décadas, sem que nenhuma pessoa saiba sua verdadeira história.

Impossível não se lembrar de obras como “O Curioso Caso de Benjamin Button” e similares. Todavia, se no filme de David Fincher é a reversibilidade do tempo que desperta o interesse de todos, como um relógio que conta de trás pra frente, aqui é a imutabilidade deste que se torna o duro fardo da protagonista. Dessa forma, não é o modo como os outros lidam com ela que importa, e sim como ela se relaciona com todos que o cercam. A impossibilidade de ter um futuro com qualquer pessoa que seja, apesar de futuro ser o que ela mais tem à disposição (como um próprio personagem faz questão de destacar em dado momento) é daqueles paradoxos de beleza ímpar que eleva a experiência a um patamar diferenciado.

A fotografia excepcional de responsabilidade de David Lanzenberg captura toda a essência melancólica dos dilemas vividos por Adaline; as cores frias e tristes dos ambientes que a envolvem, os enquadramentos mais fechados, a utilização de ângulos plongée (de cima pra baixo), transmitindo uma ideia de algo divino, mágico, sobrenatural, etc. Apoiado a isso, temos uma atuação singela de Lively, que transmite toda a angústia de sua personagem com simplicidade, através de olhares vazios e evitando maneirismos exagerados que eventualmente chamem demais a atenção para si.

Do ponto de vista narrativo, entretanto, algumas decisões são um tanto quanto questionáveis. A inserção de flashbacks ao longo da projeção abala um pouco o ritmo da obra e se mostram, além de desnecessárias, um recurso de roteiro pobre para amarrar determinadas pontas “soltas” lá na frente, no mais clássico e rasteiro estilo “pista-recompensa” que se pode imaginar. Nem mesmo a aparição decisiva de Harrison Ford na metade final justifica tal escolha; pelo contrário, só comprova que estas deviam ter sido melhor pensadas. A abordagem essencialmente romântica do contexto, por mais que incomode, é algo que consegue causar um impacto satisfatório no espectador com relativa eficiência, ainda que isso inegavelmente limite as possibilidades da premissa básica proposta pelo script.

Contudo, é conveniente colocar que as virtudes superam as falhas e o resultado final de “A Incrível História de Adaline” é bastante positivo. Uma “fantasia científica”, que, apesar de limitada pelas escolhas dos realizadores, explora bem aquilo que se propõe e entrega um romance digno, que vai além da camada superficial tradicional do gênero. Bom filme.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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