Deixando de lado o debate sobre essa sequência ser mais sombria ou mais leve que o longa anterior, o fato é que Joss Whedon entrega aqui uma produção mais completa e complexa, embora não tão divertida quanto sua predecessora.
É impossível negar a competência da Marvel Studios em sua linha de montagem de produções, seja para cinema ou TV. Mas a franquia “Vingadores” é o ápice de cada uma das assim chamadas fases da companhia, até por reunir os personagens mais conhecidos do estúdio em um só filme.
Após o primeiro longa dos heróis mais poderosos da Terra ter arrecadado mundialmente nas bilheterias a impressionante soma de US$ 1.5 bilhão e ter agradado (boa parte de) gregos e troianos, o guru nerd Joss Whedon, realizador da fita original e desta continuação, ficou com um desafio nas mãos: Como fazer com que “Vingadores – Era de Ultron” supere o seu predecessor?
Com a queda da SHIELD, os Vingadores tornaram-se basicamente os guardiões globais. Após derrubarem a última das bases da HIDRA e recuperarem o cetro de Loki roubado pelo grupo terrorista, a equipe enfrenta um novo inimigo: Ultron (James Spader). Uma inteligência artificial desenhada por Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Bruce “Hulk” Banner (Mark Ruffalo) para assumir a segurança mundial e impedir novas incursões alienígenas, Ultron decide que, para cumprir sua missão, precisa extinguir os Vingadores – e, posteriormente, a vida humana. Para tanto, ele conta com a ajuda de dois gêmeos “aprimorados”, o velocista Pietro (Aaron Taylor-Johnson) e a telepata e telecinética Wanda (Elizabeth Olsen), ambos vítimas indiretas do passado de Tony Stark.
Como a equipe já começa a história já estabelecida, não há necessidade de se perder tempo introduzindo os personagens conhecidos, com o roteiro podendo investir na evolução das interações entre os seus icônicos personagens e nas novidades acrescentadas à mistura. Somado a isso, há o ar de evento que a Marvel Studios dá a esta reunião (“São os Vingadores!“) resultando em uma produção única dentro do seu filão.
A despeito dos Vingadores já se conhecerem melhor e já existir um entrosamento no modo em que os heróis atuam juntos, eles ainda são um grupo formado por indivíduos com personalidades alfas e todos com traumas adquiridos ao longo de suas próprias aventuras, tornando o entendimento entre eles mais difícil (e interessante).
Embora o espetáculo pirotécnico dos combates travados ao longo da projeção tenha um escopo gigantesco (por vezes até excessivo, como na batalha final), o tom do filme é dado por essa problemática dinâmica de grupo, expandida em conflitos mais pessoais. A escala da atuação dos heróis pode ser mundial, com cenas no leste europeu, África e Seoul, mas o conflito em si é interno.
Quando o Capitão América (Chris Evans) mostra empatia pelos gêmeos por ver neles algo que ele mesmo passou ou quando vemos o ego de Tony Stark trazendo para si a culpa por uma hipotética derrota do grupo, temos Joss Whedon desenvolvendo de maneira rápida, sutil e efetiva personagens que já conhecemos há anos. Do mesmo modo, Whedon justifica um surpreendente enlace entre Banner e Viúva Negra (Scarlett Johansson) de um modo tocante, mostrando um vínculo emotivo criado entre duas pessoas solitárias justamente por conta das trágicas bagagens que carregam.
O elemento mais “normal” da equipe, Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) ancora esses cientistas, monstros, deuses e lendas à humanidade, relembrando a eles de maneira bem clara o motivo pelo qual eles lutam. Não é a toa que Renner rouba a cena constantemente, justamente por servir como o representante da platéia dentro daquele mundo superlativo. Neste sentido, Joss Whedon mais que se redimiu quanto a falta de desenvolvimento de Clint Barton no primeiro filme.
Chris Evans ressalta aqui a autoridade natural de Steve Rogers dentro da equipe, mesmo com eventuais brincadeiras internas sobre o puritanismo do Capitão, ninguém questiona seus comandos quando em batalha, embora já existam indícios claros de um racha ideológico entre ele e Tony Stark.
Por falar nele, o Homem de Ferro de Robert Downey Jr. não superou totalmente o estresse pós-traumático apresentado em “Homem de Ferro 3” e continua obcecado pela ideia de manter o mundo protegido, desta vez levando a ideia de múltiplas armaduras do clímax de seu último filme-solo para a Legião de Ferro. Ainda vemos a arrogância e empolgação quase infantil de Tony frente aos desafios, mas o personagem certamente mudou desde sua primeira aparição.
A escalação de James Spader como Ultron foi perfeita. A voz e o tom adotados pelo ator lembram muito o de Downey Jr., mostrando sem necessidade de diálogos expositivos que Ultron é um filho bastardo do Homem de Ferro, moldado pelos traços mais sombrios e pelos medos de Tony, compartilhando até mesmo o senso de humor ácido de seu “pai”, a obsessão por evoluir (as trocas de corpo de Ultron remetem às diversas armaduras do Homem de Ferro) e a necessidade deste por plateia.
Há um elemento quase edipiano no desejo que Ultron sente de suplantar Stark e os Vingadores como figura de esperança junto ao povo (matar o pai e ganhar o amor da mãe) ao mesmo tempo que também vemos que o próprio Ultron, a despeito de sua inteligência e poder, ainda é uma criança, procurando seu papel no mundo (remetendo-se à Bíblia ou mesmo ao filme animado “Pinóquio” para tanto) e dado a acessos de raiva. Ultron pode não ser tão charmoso quanto Loki, mas certamente traz uma dose maior de perigo e instabilidade que o irmão adotivo de Thor trouxe à aventura anterior.
Em contrapartida, temos o Visão (Paul Bettany), consequência indesejada do próprio Ultron e que encara a humanidade de um modo mais triste e esperançoso, ironicamente o personagem com mais alma da fita ao lado do Gavião Arqueiro, embora seja uma forma de vida artificial. Bettany está perfeito no papel, complementando o visual exótico do personagem com um olhar etéreo, ingênuo e maravilhado. Assim como Ultron e o próprio Visão, os gêmeos Wanda e Pietro são, de algum modo, crias de Tony Stark. Jovens que sofreram grandes perdas ainda quando crianças, eles buscam descontar sua raiva naqueles que consideram responsáveis pela dor que sentem.
Apesar de Aaron Taylor-Johnson ter alguns bons momentos como Pietro (especialmente na linguagem corporal do veloz personagem), ele empalidece perante sua contraparte em “X-Men – Dias de Um Futuro Esquecido”. Elizabeth Olsen domina a tela quando surge em cena, mostrando o ódio, o sofrimento e o eventual arrependimento que sua Wanda carrega.
O dom de Wanda de fazer com que as pessoas experimentem seus piores pesadelos e medos se comunica diretamente com o seu trágico passado, além de ser uma ferramenta dramática importante, foi bem usada por Whedon. Olsen e Taylor-Johnson exibem uma bela química, até por não ser o primeiro trabalho dos dois juntos, mas é ao lado de Renner que a atriz tem seu melhor momento e, se os quadrinhos servem como guia, essa dupla pode ter mais bons momentos futuramente – embora eu também esteja pessoalmente intrigado se Wanda e Visão terão seu relacionamento aprofundado nos próximos filmes.
Quem não tem tanta sorte assim é o Thor de Chris Hemsworth. Sim, o herói asgardiano tem ótimas cenas de ação, especialmente ao lado do Capitão América, mas sua importância para a trama em si é pequena e há ainda um atropelado subplot que desperdiça o talentoso Stellan Skarsgård e serve mais para preparar o terreno para o próximo filme do deus do trovão e para a vindoura Guerra Infinita que aguarda os Vingadores.
A maior contribuição do personagem para o filme é com a cena sobre quem é digno de levantar o martelo Mjolnir, que se revela uma verdadeira “arma de Chekhov”, levando a um dos momentos mais empolgantes e surpreendentes da projeção. Por falar em arma, o Máquina de Combate de Don Cheadle, apesar de aparecer apenas rapidamente aqui, está melhor que em “Homem de Ferro 3” e é bom ver que o Falcão de Anthony Mackie não foi esquecido, mesmo que em uma ligeira cameo.
Obviamente, a festa não seria completa sem o Nick Fury de Samuel L. Jackson, em uma aparição que deve se conectar à série de TV “Agents of SHIELD”. Alguns easter-eggs farão a festa para os aficionados (ganha um doce quem encontrar a Jocasta) e a ponta de Julie Delpy mostra que a Sala Vermelha vista em “Agent Carter” ainda tem muita história para contar. O vilão Ulysses Klaue também é introduzido aqui, em uma boa interpretação do versátil Andy Serkis, e deve reaparecer no vindouro longa do “Pantera Negra”.
O filme possui cinco grandes setpieces, com a cold open contra a HIDRA e o embate entre o Homem de Ferro e um descontrolado Hulk certamente sendo os maiores destaques. A batalha final, como já mencionei, se torna um tanto excessiva, mas possui alguns contornos mais humanos e dá uma “alfinetada” em produções que esquecem os inocentes em meio ao combate. Os exageros no clímax não chegam a prejudicar o longa, mas com certeza 5 minutos a menos de pancadaria e mais 10 de diálogos fariam bem à experiência como um todo.
As cenas de ação remetem diretamente aos quadrinhos e certamente os leitores verão alguns momentos que parecem páginas de George Pérez e Bryan Hitch em movimento – e existem dois quadros específicos que parecem enormes splash pages na tela do cinema, com o impacto sendo ainda maior em telas IMAX (fujam do 3D tradicional, que não acrescenta nada à narrativa, com o próprio diretor admitindo que não pensou o filme com a tecnologia em mente). Assim como o filme em si, a trilha de Brian Tyler e Danny Elfman é grandiosa e incorpora alguns temas dos filmes-solo dos heróis, em uma mistura eficiente.
“Vingadores – Era de Ultron” é mais ambicioso e equilibrado que seu predecessor, trabalha melhor (a maioria) dos seus personagens principais e prepara o terreno para as próximas produções do Universo Cinematográfico Marvel, com Joss Whedon sabendo navegar bem entre a ação, o drama e a comédia, muitas vezes na mesma cena. Considerando que o diretor já anunciou não retornar para o já confirmado terceiro filme, é um “até logo” digno para Whedon. Recomendado.