Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 22 de abril de 2015

Chappie (2015): quando o filme não faz jus ao protagonista

Em seu terceiro longa-metragem, o cineasta Neill Blomkamp volta a investir em uma alegoria sci-fi sobre identidade, desta vez de um ponto de vista mais espiritual. O resultado é um longa derivativo e que não faz jus aos questionamentos postulados nem ao seu protagonista-título.

imageA despeito de seu longa-metragem de estreia como diretor, o genial “Distrito 9”, o ter alçado direto à condição de grande nome recente do gênero ficção científica, é preciso ter em mente que o cineasta sul-africano Neill Blomkamp é relativamente jovem e que este “Chappie”, seu mais recente trabalho, é apenas seu terceiro longa. Acompanhando sua curta filmografia (que inclui também o muito criticado “Elysium”), Blomkamp mostra-se um realizador fascinado com o tema da identidade, questionamento que liga suas três obras.

O celebrado “Distrito 9” lidou com a identidade racial de seu protagonista, misturando de maneira inusitada Kafka, apartheid e ação. Por sua vez, “Elysium” era centrado na identidade social dos indivíduos, com apenas aqueles pertencentes à classe dominante tendo direitos plenos à serviços básicos decentes. Já em “Chappie” a questão beira o existencial, com temas como consciência e personalidade do indivíduo assumindo o centro do picadeiro aqui, com alguns toques de cyberpunk japonês – a influência de obras de Masamune Shirow como “Appleseed” e, especialmente, “O Fantasma do Futuro” é óbvia.

Na trama, a África do Sul passa a empregar robôs policiais para conter a crescente criminalidade urbana. Criados pelo inquieto inventor Deon (Dev Patel), essas unidades se mostram bastante eficientes, mas ainda são meras máquinas sem mente, enquanto a ambição do jovem cientista é criar uma inteligência artificial, uma consciência em si, contrariando as diretrizes de sua chefe (Sigourney Weaver).

Aproveitando uma unidade defeituosa, Deon a usa para seu experimento, nascendo assim Chappie (Sharlto Colpley). Raptado e “adotado) por uma dupla de ladrões desesperados (os rappers Ninja e Yo-Landi Visser), o ingênuo Chappie acaba abraçando de sua maneira os valores de seus “pais adotivos”, preso entre estes e os desígnios de seu criador, tão ou mais imperfeito que sua criatura. No meio disso tudo, o ambicioso Vince (Hugh Jackman) deseja colocar sua própria máquina no mercado e derrubar Deon, que considera seu rival. Ao descobrir a existência de Chappie, passa a considerá-lo uma abominação que deve ser destruída.

Natureza, duelo criação criatura, alma e espírito… Não deixa de ser irônico que, em meio a temas tão inerentes à humanidade, a fita só consiga desenvovê-los a contento quando o personagem-título, um robô, assume as rédeas da história. Se há algo digno de louvor na produção é o desenvolvimento do próprio Chappie, com a atuação extremamente sensível de Sharlto Copley, além do uso magnífico da tecnologia de captura de movimentos, ótimo design de produção e belos efeitos especiais. É fácil se apaixonar por Chappie e, por conta disso, os problemas da produção ficam mais fáceis de engolir.

A colaboração harmônica de todos esses elementos transformam o inocente e quase infantil robô em uma figura cativante, um espelho das dúvidas que temos como uma espécie tão jovem neste complicado universo. Em contrapartida, os humanos que o cercam parecem esquemáticos e desinteressantes, só ganhando alguma vida quando interagem com Chappie.

Mais bizarro ainda, aqueles que cresceram nos anos 1980 podem remeter os dilemas de Chappie às aventuras de Johnny 5 da cinessérie “Um Robô em Curto-Circuito”, sendo que os personagens que cercavam o desengonçado Johnny, por mais cartunescos que fossem, eram mais interessantes que aqueles que povoam esta versão da África do Sul de Blomkamp. Coincidência das coincidências, tanto Chappie como Johnny 5 são levados, em dado ponto de suas respectivas aventuras, a roubar carros e ganham visuais “ostentação”. Hm.

O Deon de Dev Patel tem como seu único traço de definição uma espécie de obstinação que – acreditem – o levam a testar sua invenção graças a um cartaz de meme. Além da óbvia semelhança entre o nome Deon e o latim “Deus”, o que vemos é o pobre Patel sendo surrado em cena por Copley, graças a um roteiro que provê seu personagem de respostas fracas às perguntas contundentes e honestas feitas pela criatura mecânica.

Fica óbvio desde a primeira aparição de Ninja e Yo-Landi Visser que eles não são atores. Até mesmo os nomes dos seus personagens são iguais aos deles. Yo-Landi se sai melhor que seu parceiro, até por ter um arco mais entrelaçado com o de Chappie e uma relação materna com este até interessante, mas é chato ver o malandro Ninja em cena, sempre tentando desesperadamente chamar atenção para si, faltando só pendurar uma melancia no próprio pescoço.

Enquanto Sigouney Weaver faz praticamente uma participação especial e sai literalmente correndo do filme, Hugh Jackman paga o maior mico de sua carreira vivendo um antagonista pouco interessante e cuja única característica mais diferenciada, seu catolicismo, é enfiada goela abaixo pelo público sem um pingo de desenvolvimento, mostrando-se um obstáculo burro e praticamente reduzido a um projetista para o pseudo ED-209 do filme.

Por conta de seu protagonista-título, cenas de ação competentes e da trilha sonora empolgante de Hans Zimmer, “Chappie” é um filme mais carismático e animado que “Elysium”, mas menos completo que este último e sequer se compara a “Distrito 9”, muito por conta do roteiro derivativo e pouco ousado de Blomkamp e de sua colaboradora habitual Terri Tatchell, que ainda inventam uma pouco explicada e muito forçada virada final entre Chappie, Deon e Yo-Landi. O mais triste é que Blomkamp era capaz de dar exatamente o que o simpático robô merecia: um filme melhor.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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