Apesar de diálogos muitas vezes pouco inspirados, longa de Julia Rezende consegue se destacar pela força de seu casal protagonista e os dramas que os cercam.
Muito se reclama da qualidade duvidosa das produções cinematográficas nacionais que chegam ao circuito comercial. Comédias enlatadas, paródias absurdas, etc; poucos são os que chegam aos cinemas e são sucesso tanto de público quanto de crítica. Estes últimos, geralmente, se resumem a festivais e públicos de nicho. Só fenômenos como “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite“, “Central do Brasil” e alguns outros, conseguem ser fenômenos em ambos quesitos, ultrapassando fronteiras canarinhas.
Portanto, aos que costumam fazer esse tipo de reclamação (com razão, na maioria das vezes), sugiro fortemente este “Ponte Aérea”, um romance honesto e sensível que, embora tenha suas falhas, sem dúvidas merece ser visto, até como forma de constatação de que o nosso cinema é, sim, muito melhor do que aquilo ao que a grande indústria nos submete semanalmente.
Dirigido por Julia Rezende e escrito por esta juntamente com L.G. Bayão (“Irmã Dulce”), o longa acompanha a história de Bruno (Caio Blat) e Amanda (Letícia Colin), um casal que se conhece após uma estadia forçada em Belo Horizonte devido a uma tempestade que desviou o voo de ambos para São Paulo. Hospedados por uma noite no mesmo hotel, os dois acabam dormindo juntos e criam uma relação especial, que irá se desenvolver – em diversos sentidos – ao longo do filme.
Bruno é aquele típico carioca bon vivant, largado, artista, surfista e que vive de alugar o apartamento que divide com um colega na zona sul do Rio de Janeiro. Amanda, por sua vez, acaba de ser promovida no local onde trabalha, uma agência de publicidade de sucesso, na cidade de São Paulo. Um casal improvável se forma, portanto, a partir do momento em que Bruno vai para a capital paulista reencontrar seu pai em coma, com quem não fala há anos, e acaba por descobrir algumas verdades que irão mudar o rumo da sua vida.
Caio Blat é um ator espetacular, e é interessante como a composição desse seu personagem se dá de forma absolutamente natural, sem grandes maneirismos ou exageros. Ele, por exemplo, paulistano de raiz, consegue fazer a transposição ao carregado sotaque fluminense com simplicidade, sem forçar a barra, puxando muito o “x” ou coisas do tipo. Letícia Colin, por sua vez, também faz um trabalho seguro e convincente, o que confere à dupla protagonista uma química ímpar e que segura narrativa em um patamar elevado.
Neste sentido, tendo consciência de que parte de uma forte contraposição entre estereótipos de Rio e São Paulo na construção de seus personagens, Júlia Rezende faz questão de focar em tal dualidade com diversos elementos que tendem a reforçá-la. Seja no figurino, nos cenários ou mesmo na personalidade e modo de falar de cada um deles. Bruno anda sempre vestido com roupas simples e uma mochila nas costas, e se expressa de modo arrastado e cheio de gírias, contrapondo-se ao estilo mais contido de Amanda, uma típica representante da classe média/alta paulista. O apartamento desta é moderno, todo vidrado e chique, num andar alto, enquanto o daquele é despojado, mais desarrumado e dividido com um outro amigo.
Dramático, eficiente do ponto de vista técnico e artístico e com uma dupla carismática como casal protagonista, é uma pena que o longa acabe por tropeçar em um roteiro apenas mediano e que abusa de diálogos medíocres, apoiando-se nas mais rasteiras muletas de filmes do gênero. Caso focasse mais no lado sério e nos dilemas que envolvem os personagens e esquecesse a faceta melosa e clichê, o resultado alcançado poderia ser ainda melhor.
De todo modo, em que pese os defeitos citados, o fato é que temos uma obra corajosa e que consegue se sobressair com segurança e competência. Com um drama que vai sendo construído de maneira crescente até o clímax da película, “Ponte Aérea” se destaca como um bom romance não apenas tendo como referência o cinema nacional, mas sim o gênero como um todo. Entretenimento de qualidade, e nosso.