Uma adaptação literal e pouco inovadora, que tem como virtude a singeleza e naturalidade, nos fazendo voltar no tempo e entrar no mágico universo dos contos de fadas.
Já faz algum tempo que os estúdios Disney ou mesmo diversas produtoras têm feito versões modernas, em live action, de contos e animações consagradas. Elas vão de “Alice no País das Maravilhas” (2010), “Branca de Neve e o Caçador” (2012) e “Espelho, Espelho Meu” (2012) a “Jack: O Caçador de Gigantes” (2013), “João e Maria: Caçadores de Bruxas” (2013) e “Malévola” (2014). E todas estas adaptações, sem exceções, mudaram ou acrescentaram algo que as tornaram um tanto díspares das obras originais. Se não contadas por outra perspectiva, alguns personagens ganhavam novas personalidades ou a atmosfera exibia tons distintos ao universo aludido.
O que, de certa forma, é esperado, pois tais títulos são geridos por diferentes autores, que querem e devem deixar ali suas assinaturas e impressões. Ainda que, na maioria dos casos, essas decisões sejam equivocadas ou simplesmente não funcionem.
Mas eis que na chegada dos créditos finais deste novo “Cinderela”, dirigido pelo inglês Kenneth Branagh, nos deparamos com um fato deveras inusitado – ver em tela uma transposição quase que totalmente fiel – e com ele o questionamento: entendemos realmente sua intenção? Sim, pois estamos falando do Branagh, um cineasta de trabalhos autorais, com fortes veias dramáticas e confabulações shakespearianas. Quem conferiu “Frankenstein de Mary Shelley” (1994), “Hamlet” (1996) e até mesmo “Thor” (2011), sabe que suas características são evidentes. Não aqui – ou em seu trabalho anterior, “Operação Sombra – Jack Ryan” (2014).
O elenco, por si só, já surpreende por não ostentar nenhuma grande estrela da atualidade, onde a protagonista é a até então desconhecida Lily James (de “Downton Abbey“) e o príncipe o pouco comentado Richard Madden, que ganhou destaque interpretando o rei Robb Stark, na premiada série da HBO, “Game of Thrones“. Mesmo os pais de Cinderela são vividos por nomes como Ben Chaplin e Hayley Atwell – a Peggy Carter do show “Agent Carter“. Somente a vilã (a famosa Madrasta) é interpretada pela sempre ótima Cate Blanchett, e a Fada Madrinha por Helena Bonham Carter – que, convenhamos, nunca tiveram fama de atrair o grande público.
Sem muito (ou nada) inventar, Branagh vai retratando, linearmente, cena por cena e momento por momento, os acontecimentos da clássica animação de 1950, de Clyde Geronimi. As mudanças só são enxergadas por alguns personagens soarem mais humanos, ainda que sejam unidimensionais. O que não é culpa dos atores, pois todo casting convence, principalmente Lily James que transmite doçura e singeleza genuína.
Contudo, mesmo sabendo o que está por vir – ao mesmo tempo em que aguardamos o que de diferente pode acontecer -, a trama é conduzida organicamente e tudo parece fluir bem, sem que a duração seja sentida. Por outro lado, falta um pouco de ousadia artística por parte do diretor, pois, mesmo concebendo planos elegantes e tomadas cheias de estilo, sua realização cinematográfica é bem modesta.
Em contrapartida, os cenários e o design de produção estão à altura de um conto de fadas da Disney. Todo trabalho de mise-en-scène nos salões dos castelos ou mesmo nas vilas dos camponeses enchem os olhos. Os efeitos visuais também são de alto nível, com destaque para a transformação da princesa e a cena da carruagem, que consegue captar toda magia do momento, exposto pela intensa e cristalina fotografia de Haris Zambarloukos. A trilha sonora de Patrick Doyle é marcante e consegue emocionar o público no clímax final.
Sintetizando, “Cinderela” é um filme assumidamente simples, em proposta temática, que não traz nenhuma grande novidade e tem como função apenas transpor uma antiga história infantil. Mesmo assim, é honesto ao ponto de fazer o espectador se entregar novamente à trama já conhecida e acompanhar, com atenção, essa versão humanizada do conto. A simplicidade latente acaba sendo seu maior trunfo e, no fim das contas, mesmo não sendo uma obra tão tocante quanto à de inspiração, irá arrancar sorrisos e emocionar plateias.
PS: O curta-metragem “Frozen: Febre Congelante“, exibido antes da sessão, apesar de muito doce, tem uma premissa absolutamente módica e quase ignora as regras básicas de roteiro, onde uma história tem que ter começo, meio e fim. Apostando, obviamente, na brandura de seus personagens, principalmente nos atos encantadoramente desleixados, vemos Elsa (Idina Menzel), Olaf (Josh Gad) e Kristoff (Jonathan Groff) preparando uma festa de aniversário para Anna (Kristen Bell), ainda dormindo. A rainha de gelo está resfriada e durante todo filme espirra lindinhos minions de neve. Mas a trama é basicamente isso, não tem nenhuma grande surpresa ou sacada. A ideia é matar a saudade de toda galerinha e fazer com que o público abra o coração pelo que está por vir.