Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 26 de março de 2015

Dívida de Honra (2014): um faroeste psicológico

Uma obra que destoa das características que marcam os clássicos do gênero, inclinando-se mais para uma espécie de drama psicológico situado no velho oeste americano.

dívidadehonraO faroestede Hollywood é, provavelmente, o mais “americano” entre todos os gêneros cinematográficos. Situado geralmente na segunda metade do século XIX, em um importante período histórico dos Estados Unidos (após a Guerra Civil), tal gênero se caracteriza por colocar frente a frente vilões e mocinhos bem definidos, em um cenário devastado e sem lei.  Com pequenas variações e oxigenado ao longo do tempo, eis que chegamos a esse “Dívida de Honra”, adaptação do romance de Glendon Swarthout e que tem em Tommy Lee Jones seu condutor maior, responsável pelo protagonismo, parte do roteiro e direção do longa.

Aqui, acompanhamos o fardo de Mary Bee Cudy (Hilary Swank), uma mulher de meia idade encarregada de levar outras três moças, que enlouqueceram, de seu vilarejo, em Nebraska, até Iowa. No meio do caminho, ela encontra um posseiro chamado George Briggs (Jones), prestes a ser enforcado por ocupação “ilegal” de territórios, e decide ajudá-lo em troca de um favor: que ele a acompanhe em sua jornada. Evidentemente aceitando as condições, Briggs e Cudy seguem, juntos, viagem rumo a Iowa.

Escrito por, além de Tommy Lee Jones, Kieran Fitzgerald e Wesley A. Oliver, o roteiro é eficiente ao fugir das concepções clássicas do gênero e apostar em personagens complexos e multifacetados, sem que haja um vilão como estamos acostumados a ver. O grande antagonista “durão”, no caso, é o próprio fardo que carrega o casal protagonista. Recém conhecidos, ambos desenvolvem uma relação de apoio mútuo no que diz respeito aos cuidados que eles têm que ter com as moças que transportam; elas não tomam banham nem comem por conta própria e por vezes apresentam comportamento agressivo, fazendo com que a atenção e o zelo por parte deles tenha que ser completo e irrestrito.

Ainda que a construção dramática desta união seja apenas mediana, é inegável o bom trabalho que fazem Jones e Swank, contribuindo significativamente para que ela suba um patamar acima daquilo que o roteiro entrega. O olhar perdido de ambos, o vazio interior, a falta de objetivos; são composições simples, que não chamam muita atenção para si mesmas, mas que fazem toda a diferença quando analisadas no contexto mais abrangente da narrativa como um todo. São personagens extremamente enigmáticos, difíceis de decifrar.

Tal complexidade ganha todo um outro contorno após o plot twist absurdamente chocante que basicamente marca a passagem do 2° para o 3° ato. Por motivos óbvios, fica impossível discuti-lo aqui, mas esta virada inesperada, bem como suas consequências naturais, tornam aquilo que era apenas um filme mediano em uma obra diferenciada. É bonito ver uma história que nasce pequena, despretensiosa, e vai crescendo até onde a grandeza do espírito humano, com todas as suas virtudes e falhas, permite.

Do ponto de vista técnico, Tommy Lee Jones faz um trabalho correto e seguro na direção; eficiente, mas sem correr riscos. O que realmente salta aos olhos do espectador, neste sentido, é o estonteante design de produção, que  reconstrói com maestria, através dos cenários, figurinos e direção de arte, a época na qual a história se passa.  Isso sem mencionar a bela fotografia do excelente Rodrigo Prieto (“O Lobo de Wall-Street“, “Argo“, entre outros), que frequentemente enquadra os personagens em uma razão diminuta perante a vastidão do ambiente que os cerca, representando a pequenez, insignificância e o egoísmo de seus sentimentos ante o tamanho da responsabilidade que carregam.

Dessa forma, temos um western que destoa das características clássicas que marcam o gênero, inclinando-se mais para uma espécie de drama psicológico ambientado no velho oeste americano. Uma obra com alguns problemas de ritmo e construção dramática apenas razoável (alguns acontecimentos deviam ser mais impactantes e provocar mais sentimentos do que o fazem), mas que sem dúvidas consegue se sobressair bem acima da média com sua história poderosa e bonita, conduzida com segurança, em todos os sentidos, por Tommy Lee Jones.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

Compartilhe