Mesmo trazendo o Bill Murray de sempre e uma história assumidamente corriqueira, é um longa competente, que discute os temas apresentados de maneira sóbria e orgânica.
Vincent (Bill Murray) é um sujeito ranzinza, depressivo e antissocial, que em plena crise da terceira idade passa por problemas financeiros, potencializados pelo seu vício em apostas. Mais do que isso, ele deve dinheiro a agiotas e precisa pagar a mensalidade da casa de repouso, onde está sua mulher com Alzheimer. E quando parecia impossível piorar, uma equipe de mudanças causa um acidente envolvendo e danificando seu carro e parte da propriedade. O caminhão levava os pertences de Maggie (Melissa McCarthy), uma mãe solteira que se desdobra em turnos seguidos para dar uma vida digna ao filho de 12 anos, Oliver (Jaeden Lieberher), um garoto inteligente, mas frágil, que vive sofrendo bullying.
Completando o ensejo, temos a presença da prostituta Daka (Naomi Watts), que grávida, vê em Vincent certa estabilidade, digamos. Mesmo depois do acidente, Maggie pede que o velho fique com seu filho, após este largar da escola, já que trabalha até tarde. Vincent aceita, mas imediatamente diz que, a partir dali, irá cobrar pelo favor. Necessitada, a mulher não vê problemas e firma o acordo. Com o passar do tempo, mesmo oferecendo uma rotina nada apropriada para o moleque, os dias vão se transformando e suas vidas consequentemente melhorando. Com o estreitamento da relação, ambos os universos parecem se solidificar.
E é justamente aí que está o grande lance do filme comandado pelo estreante Theodore Melfi, no amparo coletivo, na força da amizade, no companheirismo. Todos os personagens da trama precisam ser salvos ou salvar alguém, bem como funciona no mundo real. É sabido que muitas vezes a necessidade rotineira causa solidão, e esta por si é uma situação delicada. Se em Oliver vemos a falta da figura paterna, em Vincent nota-se um vazio doloroso, que está consumindo o resto de sua humanidade. E mesmo que Daka aparente já tê-la perdido, por muito ser castigada pela vida, a preocupação em relação ao indivíduo é visível. E isso é reciproco, não é atoa ele falar que a profissão de “dama da noite” é uma das mais honestas existentes.
Seguindo um estilo narrativo assumidamente simplório, sem muito inventar ou querer chamar atenção com ousados artifícios, Theodore Melfi é bem direto e não deixa barrigas. Acaba entregando três atos que fluem muito bem, obrigado. Talvez a ausência da mão mais autoral soe como uma espécie de piloto automático, o que não é caso. A ideia aqui é apenas tornar a trama orgânica e apostar no drama das figuras abordadas. O cinematografo John Lindley, que é mestre em construir universos visuais acolhedores, mesmo nos momentos mais tristes do longa, investe em paletas de cores mais claras e confere um tom atmosférico suave, imprimindo o interior dos personagens.
Contudo, é inegável que a maior força do filme seja mesmo a lenda Bill Murray, certamente Melfi escreveu o roteiro, ou pelo menos o protagonista, pensando nele. Se o personagem não fosse tão paupérrimo, essa seria uma autobiografia. Murray, como de costume, está ótimo em cena, mesmo numa carapuça largada e triste – muito semelhante ao Lebowski de Jeff Bridges –, seu Vincent carrega uma doçura que é passada por olhares e trejeitos. Aliás, todo casting tem um bom desempenho. Melissa McCarthy entrega uma Maggie adorável e espontânea. Naomi Watts aposta num linha mais caricatural e não erra. Até mesmo o garoto Jaeden Lieberher, que ainda apresenta timidez, consegue emocionar quando é exigido dramaticamente.
É correto afirmar que “Um Santo Vizinho” não traz nada de novo, que já vimos algo parecido em “Melhor é Impossível” (1997) ou “Gran Torino” (2008), mas mesmo apresentando uma história um tanto ordinária, naturalmente o filme apresenta suas singularidades. Consegue abordar temas delicados como a velhice, a solidão e o abandono, e por assim as consequências, sem soar cabeçudo. Como também possui interessantes personagens que são representações reais do nosso cotidiano. Tem em sua essência uma delicadeza pouco vista em obras do gênero e, o mais importante, nunca é maniqueísta, a crueza está presente em vários andamentos. Não deve impressionar plateias ou marcar a sétima arte, é uma obra honesta que emociona e cumpre bem sua função.