Com grande atuação de seu protagonista, longa traz recorte importante da luta pela igualdade racial.
Martin Luther King Jr. foi um dos maiores expoentes da luta contra o racismo no Estados Unidos. Chegou a ganhar o prêmio Nobel da paz em 1964, depois do seu histórico discurso “Eu tenho um sonho…”. Pouco depois disso, liderou um dos momentos mais importantes desse movimento histórico. A grande marcha que reuniu milhares de pessoas, brancos e negros, judeus, católicos, ortodoxos e protestantes desde a cidade de Selma até Montgomery, capital do Alabama, em 1965. Hoje, cinquenta anos depois, essa história chega à telas pelas mãos da diretora Ava DuVernay, com base no roteiro de Paul Webb.
“Selma” conta a história por trás dessa marcha, indo desde o recebimento do prêmio Nobel, passando pelas reuniões com o presidente Lyndon B. Johnson (Tom Wilkinson), até as suas consequências, sempre tendo em vista a busca pelo simples direito ao voto livre para cidadãos negros.
No entanto, mais do que isso, essa proibição tratava-se de uma manobra legislativa para que os brancos continuassem a controlar os negros em quase todos os seus direitos: para exercer qualquer cargo, fazer parte de júris populares, conseguir bons empregos ou até mesmo ter seu próprio negócio era necessário estar em dia com sua obrigação eleitoral, porém, sem votar, não era possível obter isso, e assim se mantinha o ciclo de poder e dominação, pois sem o voto de negros, apenas brancos eram eleitos para o poder executivo.
A história é contada com bastante detalhes, com ênfase nos discursos inflamados e pacifistas de King (David Oyelowo), na sua relação com a esposa Coretta (Carmen Ejogo), que vive com medo pela situação delicada e perigos em que o marido sempre se encontra, e com seus amigos de confiança, Abernathy (Colman Domingo), Young (Andre Holland), Orange (Omar J. Dorsey) e Nash (Tessa Thompson). Para explicar e facilitar a compreensão do espaço de tempo em que algumas sequências se passam, o filme faz uso de textos na tela, baseados em registros oficiais da investigação que o FBI iniciou para tentar, em vão, desqualificar o líder negro e seu movimento.
A diretora consegue manter o ritmo da narrativa com precisão, enquanto vai alimentando o público com mais informações históricas e mais personagens marcantes daquele período, mortos por radicais ou pela violência da polícia, como Malcom X e especialmente Jimmie Lee Jackson e James Reeb, que foram os estopins para as duas marchas de Selma.
Outro ponto positivo do roteiro é conseguir retratar bem a inteligência e o dom da palavra de seu protagonista. A cada reunião com o presidente, ou em cada um de seus discursos podemos perceber como ele está cada vez mais próximo de seu objetivo, sempre com a prática da não-violência, apenas com argumentos fortes e uma postura firme.
E esse retrato se torna ainda melhor graças ao talento de David Oyelowo. Além da caracterização física perfeita, o ator realmente se transforma em Martin Luther King, com toda a sua impostação de voz característica, seu jeito de pensar cada frase que profere, assim como a hora de aumentar e baixar o tom de seu discurso. Sem dúvida Oyelowo é um nome que irá fazer falta na noite do Oscar.
Tom Wilkinson e Tim Roth fazem valer suas participações um pouco menores, carregando seus personagens de força graças a sua presença marcante e talento habitual. O elenco ainda conta com outras participações de luxo, como Oprah Winfrey, Giovanni Ribisi e Dylan Baker.
Com um design de produção simples, porém eficiente, o filme tem uma reconstrução de época bastante convincente, somado aos figurinos e penteados marcantes daquele período.
O trabalho de direção é competente no plano geral, ainda que cometa alguns deslizes como o uso de câmera lenta que beira o piegas ou exagerar no comprimento de algumas cenas. A condução de atores também é bastante eficiente por conseguir extrair de seu elenco tudo que ele pode oferecer, como fica visível na cena em que King discute com sua esposa sobre as possíveis consequências de suas ações. Com um design de produção simples, porém eficiente, o filme tem uma reconstrução de época bastante convincente, somado aos figurinos e penteados marcantes daquele período.
No entanto, o mais curioso, e revoltante, é perceber que “Selma” conta uma história real muito recente, de apenas cinquenta anos. E esse é o seu maior triunfo: Nos lembrar que a apenas meio século, milhões de pessoas daquele país eram proibidas de exercer seu direito sagrado à democracia simplesmente pela cor de sua pele.