Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 07 de fevereiro de 2015

O Jogo da Imitação (2014): um filme de escolhas tortuosas

Num ano repleto de cinebiografias, este drama inglês, estrelado por Benedict Cumberbatch, usa seus personagens para falar de duras escolhas, ainda que de forma convencional.

198128.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxSão muitas as similaridades entre “O Jogo da Imitação” e o recente “A Teoria de Tudo“. Além de serem cinebiografias genuinamente inglesas, retratam a vida de cientistas que de certo modo alteraram o curso da área em que atuaram. Ambos os títulos têm como destaque grandes atuações, não só dos protagonistas, mas de todo elenco. Bem como apostam na vida pessoal da figura central abordada. No entanto, há algo em comum capaz de provocar um debate mais amplo: o que os sujeitos enfrentam por suas condições físicas. Se Stephen Hawking teve que lidar com a Esclerose Lateral Amiotrófica, o também britânico Alan Turing possuía uma barreira ainda maior para época: sua homossexualidade.

Senão, vejamos, Hawking conseguiu dar a volta por cima e continuar trabalhando em seus projetos, mesmo em tal estado (ele é portador da esclerose lateral amiotrófica); já Turing, que nada possuía, teve sua vida, humanidade e felicidade arrancada, de forma metafórica e literal, por um regime esclerosado e ignorante, que até hoje é seguido direta ou indiretamente – mesmo Alan obtendo sucesso no invento e sendo considerado um dos precursores da informática, ovacionado por muitos como o pai da computação. Ainda que os dois tenham desfechos e personalidades opostas, são encarados como personas difíceis, mas igualmente dóceis. Figuras que dedicaram e abdicaram parte da vida por um bem maior. E é aí que reside a principal diferença entre as obras.

Diferente de James Marsh (diretor de “A Teoria de Tudo“), que apresentou uma película de caráter suave, o cineasta Morten Tyldum aposta numa pegada mais cética e intensa, seguindo o estilo perspicaz do seu protagonista. Para que isso funcionasse bem, o diretor pôde contar com o badalado Benedict Cumberbatch, que emprestou seus trejeitos nervosos, comunicação acelerada e olhares profundos – já vistos na série “Sherlock” – para construir um Alan Turing que fosse tátil o suficiente para dialogar com o público. Não deu outra, Cumberbatch está excepcional como sempre e faz aqui um dos trabalhos mais emocionantes de sua carreira. É bem auxiliado por Keira Knightley, que vive uma ótima fase e torna sua Joan Clarke charmosa e misteriosa.

Num ponto de vista mais técnico, “O Jogo da Imitação” também possui atrativos interessantes, como vemos na fotografia de Oscar Faura, que tenta ao máximo captar o fúnebre clima da Segunda Guerra, com lentes mais densas e escuras. A direção de arte é atenta a detalhes de figurino e componentes da época. Mas de todas as ferramentas utilizadas, a trilha sonora de Alexandre Desplat é um show à parte. Sem duvidas o grande lance do longa são as rimas sonoras, que fazem junção às teclas da máquina de Turing, da atmosfera sombria que os cerca e da criação cerebral pulsante do matemático.

Por outro lado, o filme de Morten Tyldum revela-se convencional em estrutura narrativa e segue uma formula básica de biografias inglesas. O texto de Graham Moore é recheado de frases prontas, encontradas em livros de autoajuda, como também segue o típico esquema linear, onde acompanhamos o lado fantástico do protagonista. Se antes falamos de ceticismo como proposta, lá pelo fim do terceiro ato, Tyldum se entrega ao melodrama e deve emocionar parte do público, mas, se repararmos bem, o artifício soa deveras maniqueísta. Entretanto, temos a constatação do destino cruel que aguarda Turing. Afinal, ninguém consegue abrir mão totalmente da felicidade. A barra é mais pesada do que se imagina, maior até que escolher quem deve morrer ou viver.

Wilker Medeiros
@willtage

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