Após atiçar a curiosidade de todos, longa constrói sátira agressiva com eficiência, mas resultado final é apenas mediano e pontualmente divertido.
A Coréia do Norte é o país mais fechado do mundo. Embasado por uma ideologia assassina que já matou milhões de pessoas ao redor do planeta, o país tem no ditador Kim Jong-Un uma espécie de semi deus que tudo pode, dando-o carta branca para cometer as mais bizarras atrocidades enquanto é idolatrado por uma população indefesa e alienada. Diplomaticamente, não há nada de muito significativo que se possa fazer em uma situação como essa, uma vez que qualquer medida mais incisiva por parte dos países ditos “civilizados” (capitalistas) resultará indubitavelmente em um conflito bélico e, possivelmente, também nuclear. Assim, não nos resta outra opção se não fazer oposição a este regime nefasto por meio de uma das “ferramentas” mais poderosas que o ser humano já criou: a arte, e mais especificamente neste caso, o humor.
Cercado de polêmicas, indas e vindas sobre o seu lançamento, eis que “A Entrevista” finalmente estreou nos cinemas de (quase) todo o mundo. Escrito por Dan Sterling, Seth Rogen e Evan Goldberg, e dirigido por estes dois últimos em conjunto, o longa acompanha a história do apresentador Dave Skylark (James Franco) e do produtor Aaron Rapaport (Rogen), responsáveis pelo show de celebridades televisivo “Skylark Tonight”. Com crises diplomáticas entre os EUA e a Coréia do Norte, eles se espantam ao saber que o ditador desta (interpretado por Randall Park) é fã de seu programa, fazendo com que entrem em uma empreitada penosa para entrevistá-lo. Aceitando-os em meio a uma série de condições, Dave e Aaron partem para Pyongyang para realizar tal tarefa, mas não sem antes receberem uma visita de dois agentes da CIA que querem usá-los para, ao invés de apenas entrevistar Kim Jung-Um, também matá-lo secretamente em nome da pátria, que negaria todo e qualquer tipo de envolvimento.
Tendo como principal trunfo o fato de não se levar a sério, o filme ganha licença para realizar todo tipo de humor negro e politicamente incorreto. Assim, por mais que exista sim uma crítica embasada e correta por trás de toda aquela situação non-sense, os excessos cometidos pelos protagonistas (especialmente no que se refere às próprias piadas) não deixa de ilustrar um pouco o retrato de uma sociedade onde o ‘vender’ muitas vezes se sobrepõe ao ‘ser’, uma vez que os personagens de Franco e Rogen inicialmente decidem fazer a entrevista pura e simplesmente como meio de catapultar a audiência de seu programa, pouco se importando, por exemplo, se as perguntas a serem feitas seriam elaboradas pelo próprio staff de Kim Jong-Un.
Dessa forma, por mais que a sátira ao regime autoritário asiático seja pesada e incisiva, é interessante notar como os realizadores fizeram um paralelo para construírem sutilmente uma crítica a si mesmos, e à própria política externa dos Estados Unidos. Afinal, o primeiro e mais importante passo para tirar sarro de si mesmo é justamente não se levar tão a sério. E tal estratégia é colocada inteligentemente de diversas maneiras ao longo da projeção, inclusive, claro, de modo a questionar (denunciar) os próprios meios de propaganda ilusórios da ditadura norte-coreana que alienam seu povo, e que evidentemente é o foco dos cineastas envolvidos.
Todavia, por mais que o entorno e a intenção de Rogen e Goldberg sejam as melhores, “A Entrevista” acaba tropeçando naquilo que é provavelmente a sua essência como obra de humor: a sua bizarrice exagerada. As situações são as mais absurdas possíveis, os personagens extremamente estereotipados (a atuação de Franco, em particular, é das mais irritantes dos últimos tempos) e os obstáculos elevados à máxima potência; Aaron luta contra um tigre e é salvo por um míssil, perde um dedo da mão, juntamente com Dave se envolve em um confronto bélico e pilota um tanque, etc. Claro que, sendo o humor algo bastante particular e difícil de se encontrar um padrão mais ou menos universal que o molde, certamente há quem curta esse tipo de abordagem. Acredito, entretanto, que algo que preservasse a loucura do script, mas que fosse um tom abaixo do aqui observado, faria muito bem à experiência como um todo.
Dessa forma, recheado de boas intenções, mas encontrando dificuldades em se estabelecer como um filme consistente, é conveniente colocar que o resultado final é apenas mediano. De fato, “A Entrevista” não teria metade da mídia e muito menos metade da curiosidade do público se não fosse o escândalo que se tornou a Coréia do Norte querer proibir seu lançamento, fazendo com que todos quiséssemos conferir que obra era essa que despertava tanto receio em tal regime assassino. Vale pela sátira forte, pelas divertidas referências cinematográficas e um ou outro bom momento mais inspirado, e não muito mais do que isso. A polêmica certamente tornou “A Entrevista” em algo muito maior do que ele realmente tinha como potencial para oferecer.