Excesso de reviravoltas atrapalha mais do que ajuda
No ano de 2004, Adam Sandler protagonizou um dos seus últimos filmes realmente interessantes. “Como Se Fosse A Primeira Vez” contava a história de uma moça que, depois de um acidente, passou a ter problemas de memória, sendo incapaz de lembrar do que aconteceu no dia anterior. Dez anos depois, o diretor e roteirista Rowan Joffe traz às telas uma história semelhante, baseada no romance de S.J Watson.
No entanto, as semelhanças param na enfermidade da protagonista. Christine (Nicole Kidman) sofre de amnésia por conta de um grave trauma, e vive há vários anos a mesma rotina: Acorda assustada, vai ao banheiro para se olhar no espelho, onde encontra dezenas de fotografias com seu marido Ben (Colin Firth) e pequenas notas que explicam seu dia a dia. Depois volta para o quarto, onde é recebida pelo marido, que lhe explica pacientemente o que está acontecendo. Depois que o marido a tranquiliza e vai para o trabalho, ela recebe a ligação do Dr. Mike Nash (Mark Strong), um psiquiatra que foi voluntário para tentar tratá-la.
Tudo começa a mudar depois que o tratamento começa a surtir efeito e algumas lembranças começam a aparecer na mente atormentada de Christine. Por meio de uma câmera em que ela faz um diário para se manter ciente dos seus dias anteriores, acompanhamos o doloroso processo de recuperação.
E aqui reside um dos maiores acertos do roteiro. Como essas lembranças voltam de forma gradativa, tanto em quantidade quanto em intensidade, o público se encontra exatamente na mesma posição da protagonista: não sabemos em quem confiar, que tipo de informação é verdadeira ou apenas uma ferramenta de manipulação. Porém, chega um momento em que a grande quantidade de novas informações, quase sempre conflitantes com aquelas imediatamente anteriores, provoca uma overdose de plot twists, o que faz com que tal recurso perca sua força primordial: se esperamos que a cada nova descoberta o que sabíamos irá mudar, a surpresa deixa de ser a reviravolta em si e passa a ser qual será a nova mudança.
Apesar de conduzir a história razoavelmente bem, a direção é igualmente irregular. Se algumas sequências são bastante tensas, como aquela no hotel ou o telefonema no banheiro, em contrapartida, alguns enquadramentos são equivocados e deselegantes. Em alguns momentos o diretor faz escolhas inexplicáveis, como o uso de uma câmera subjetiva (quando representa o ponto de vista de algum personagem) quando Christine está sozinha.
Já no tocante a atuações o filme é bastante equilibrado. Colin Firth realiza um trabalho com uma fúria poucas vezes vista em sua carreira. Sua imponência é composta tanto pela sua presença física quanto por suas intensas alterações de humor. Mark Strong mostra sua competência habitual, ainda que pareça estar ligeiramente no piloto automático. Nicole Kidman é o grande destaque do longa. A sua fragilidade mental se reflete em sua linguagem corporal, bem como em sua voz, sempre rouca e baixa. É incrível como a atriz consegue mudar sua personalidade ao longo de apenas um dia, em decorrência dos novos fatos que vai descobrindo.
Mesmo contando com um terceiro ato instigante, essa série de problemas prejudica o resultado final, o que transforma uma trama com potencial para um excelente thriller em um produto mediano e esquecível.