Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Acima das Nuvens (2014): os efeitos devastadores do tempo

Longa reflete sobre a passagem da vida e seus efeitos sob o olhar melancólico de uma atriz de meia idade que de repente se dá conta de que o tempo passou.

Escrito e dirigacimadasnuvensido pelo experiente cineasta francês Olivier Assayas, “Acima das Nuvens” acompanha a história de Maria Enders (Juliette Binoche), uma inquieta atriz de meia idade que é convidada para reeditar uma peça que protagonizou há 20 anos como a jovem e cheia de energia Sigrid. Acontece que agora o tempo passou, e o papel para o qual ela é chamada é o da madura, vivida e, na visão de Enders, sem graça Helena, que desenvolve uma relação controversa com Sigrid, que agora será interpretada pela ascendente estrela de Hollywood Jo-Ann Ellis (Chloe Grace Moretz).

Tendo na relação com sua assistente Valentine (Kristen Stewart) uma espécie de espelho que reflete o dilema vivido pela protagonista, o longa se desenrola buscando compreender e aceitar como a passagem do tempo afeta nossas vidas e a forma como lidamos com seus efeitos. Inicialmente, Enders sequer demonstrava qualquer vontade de dar vida à Helena, mas aos poucos ela vai se entregando e, por mais que tente desistir no meio do processo, acaba tendo que se forçar a ver algo de positivo na personagem que tem em mãos. Tal situação se prova um verdadeiro exercício de autoconhecimento, uma vez que ela se dá conta que não é mais aquela garota radiante que tanto tinha em comum com Sigrid, e vê-se presa em uma angustiante semelhança provocada pela passagem implacável do tempo com uma personagem que julga sem brilho e desinteressante.

Neste sentido, é quase como se estivéssemos acompanhando um filme dentro do filme (ou uma peça dentro da peça), já que as perturbações de Maria Enders em relação à peça ensaiada refletem suas preocupações no tempo presente e encontram uma poética ressonância na juventude de sua parceira Valentine. Indo um pouco mais além e saindo da diegese da obra, podemos até adicionar uma terceira camada nessa análise ao observarmos uma Juliette Binoche já no alto de seus 50 anos de idade dialogando com jovens estrelas ascendentes de Hollywood, como as próprias Stewart e Moretz. Com o talento acumulado ao longo das décadas, Binoche constrói uma personagem complexa e multidimensional, transbordando seus (e os da própria, quem sabe?) dilemas e inquietações tela afora com extrema eficiência.

Para tanto, Assayas adota uma abordagem crua, com um paleta dessaturada na fotografia – de assinatura de Yorick Le Saux (“Amantes Eternos“) – e uma câmera inquieta, que coloca o espectador como parte daquela atmosfera claustrofóbica e angustiante. O que não impede o cineasta de, quando necessário, aproveitar os belos cenários dos Alpes suíços (onde a história se passa), provocando um belíssimo contraste, da confusão interna dos personagens com a beleza externa do ambiente, e os enquadrando em uma razão de aspecto bastante diminuta perante a vastidão das paisagens que os cercam.

Poderoso e instigante, “Acima das Nuvens” é daquelas obras atemporais e de temática universal, que bate em qualquer um de nós que um dia acorda, olha no espelho e se dá conta de o tempo passou e não somos mais o que um dia já fomos e muito menos aquilo que um dia sonhamos ser. Melancólico em sua essência, o longa traça um minucioso estudo de personagem no qual este não é nenhum dos agentes envolvidos na trama, mas sim o próprio tempo e seus efeitos devastadores. Maria Enders, neste caso, torna-se apenas mais uma de suas vítimas, não sabendo lidar com suas consequências, muito menos tirar proveito do que naturalmente vem de bom com sua passagem, como a aversão que nutre pela Helena que interpreta denuncia.

Dessa forma, temos um filme eficiente e que a todo instante propõe reflexões acerca da passagem da vida e a maneira como a aproveitamos; nossas escolhas, quem nos tornamos, o que fizemos ou deixamos de fazer, etc. Um pedaço de arte universal, tendo seu status elevado a um patamar superior pela condução segura de Olivier Assayas e, principalmente, por uma Juliette Binoche que consegue transmitir o peso de toda uma vida por meio de um simples olhar perdido e carregado de amargura, como o plano final ilustra de modo sintomático.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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