Jake Gyllenhaal dá vida a um caçador de notícias inteligente e sem limites. O resultado é um filmaço que mostra facetas possíveis (e questionáveis) do jornalismo sensacionalista.
Uma das características mais interessantes de filmes que tratam de um assunto tão próximo da nossa realidade, é quando você para pra pensar: “Será que isso acontece na vida real?”. Não só isso, quando você se questiona: “E se isso acontece mesmo?”. “O Abutre” (Nightcrawler) tem esse poder por se tratar, basicamente, sobre o jornalismo sensacionalista que estamos tão acostumados. Sabe aqueles programas que mostram apenas acidentes, desgraças, incêndios, assassinatos, sequestros e etc? Pois é, o filme traz um retrato cru, real e sensacionalista (em todos os sentidos) de uma profissão que poucos veem trabalhando, mas que acabamos todos vendo o resultado desse trabalho, casualmente, na TV ou internet.
Na trama, ao presenciar um grave acidente de carro, em que a vítima ferida ficou presa nas ferragens, Louis (Jake Gyllenhaal) descobre que esse tipo de situação é um prato cheio para repórteres freelancers, que chegam com suas câmeras junto com a polícia e os bombeiros, às vezes até antes deles. O resultado daquela filmagem é vendido para telejornais do gênero “desgraça” por um excelente cachê, variado entre US$ 200 a US$ 10.000 por vídeo (dependendo do grau da situação e da exclusividade). Louis é um homem solitário, de quem não se sabe o passado e cujas relações humanas são inexistentes – a Internet é sua única fonte de informação – e que descobre ali uma espécie de vocação. Antes, sofre para descobrir do que precisa, já que veteranos como Joe Loder (Bill Paxton) não estão a fim de entregar o ouro a nenhum concorrente em potencial.
O mérito desse filme se deve, exclusivamente, a dois nomes: o diretor iniciante Dan Gilroy (e toda sua equipe técnica) e o ator Jake Gyllenhaal. Gilroy tem larga experiência como roteirista. Já escreveu os scripts de filmes como “Gigantes de Aço” e “O Legado Bourne”. Ele também é o roteirista de “O Abutre” e aqui ele demonstra uma larga experiência com o linguajar cinematográfico, sabendo exatamente o que mostrar para o público. Muitas vezes vemos uma ousadia vinda de sua parte, principalmente quando existem cenas em alta velocidade. Como o personagem Louis precisa chegar numa cena do crime antes de todo mundo, muitas vezes vemos cenas de carro extremamente velozes. Em um determinado momento, o diretor ousa e faz um plano inacreditável com uma câmera flutuante, onde o carro se move extremamente rápido e a câmera sai do para-brisa e se move para a traseira do carro, passeando pela lataria até se distanciar e mostrar a solidão de uma Los Angeles noturna (e tudo isso sem cortes). Mérito para o diretor, que é irmão do também cineasta Tony Gilroy (roteirista da franquia Bourne e desempenhando o papel de produtor aqui) e o montador John Gilroy (que assina a edição do filme). Até mesmo a excelente fotografia de Robert Elswit (parceiro costumeiro do diretor Paul Thomas Anderson) tem papel importante aqui, principalmente porque 95% do filme ele se passa a noite.
O diretor demonstra muita segurança em seus planos, criando tensão quando necessário e fazendo – absurdamente – você gostar do Louis, mesmo sabendo que muitas de suas ações são extremamente questionáveis. Aliás, na maioria das vezes, o personagem age como um grande vilão, mas ele usa de argumentos tão fortes para convencer outras pessoas que ele tem que fazer aquilo, que até você embarca nessa onda. Mérito do roteiro, mas, principalmente, de Jake Gyllenhaal. O ator se dedicou visivelmente na construção do personagem, já de cara o vemos com 15 quilos a menos e o rosto afinado em que destacam os olhos esbugalhados. Esse aspecto visual parece ser o retrato do desespero de um habitante dos becos de Los Angeles, onde procura, aflito, nervoso, algum meio de sobrevivência no desemprego. Ele mesmo, antes de entrar nessa onda dos jornalismo, sobrevivia por meio de pequenos furtos. Seu personagem é tão forte que lembra, em muitos aspectos, Robert De Niro em “Taxi Driver”.
Imagine uma situação: você chega num acidente antes de todo mundo, tem oportunidade de filmar o impacto desse desastre antes de todos, mas o ângulo não está bom. Você seria capaz de modificar uma cena do crime para conseguir a melhor imagem para o jornal? O grande questionamento do filme é esse: “Até onde você seria capaz de ir para conseguir atingir os seus objetivos?”. A personagem Nina Romina (Rene Russo), veterana editora de uma emissora de TV de segunda linha, faz extremamente bem esse papel de alguém que precisa de imagens mais sangrentas e impactantes para garantir audiência, consequentemente, o seu emprego. Daí você consegue imaginar a relação entre um rastreador de news nortuno e uma produtora sanguinolenta. A combinação é um resultado sem nenhum escrúpulo, onde o único objetivo é satisfazer um público voraz pelo sangue alheio. Afinal, desgraça atrai atenção. E você, leitor, sabe disso.
Resumindo, é uma excelente discussão; um filme que vai te deixar preso na poltrona; um personagem principal assustador, convicente, perturbado, sociopata e interpretado por um ator que vai estar presente em muitas premiação. Você sai do filme com um novo olhar sobre as matérias jornalísticas que vemos costumeiramente. Vale assistir. Um filmaço!