Um eficiente documentário que mostra que o que entendemos por "diferente" ou "normal" pode muitas vezes se misturar. Aqui, isoladamente, esses conceitos inexistem.
É triste dizer isso, mas “De Gravata e Unha Vermelha” é um documentário que expõe muito dos valores estragados da sociedade preconceituosa em que vivemos. E é bom que nós sejamos colocados frente a essa nossa parte escura de vez em quando. Felizmente, por outro lado, a diretora e também roteirista Miriam Chnaiderman prefere dar ênfase à face extravagante, irreverente e descontraída daquelas pessoas, fazendo o que todos nós deveríamos fazer com o que há de mais podre em nossa alma: colocá-la em segundo (terceiro, quarto…) plano e deixar que o nosso verdadeiro “eu” desabroche livre de estereótipos e pré-julgamentos.
Embalado por esse clima leve e sereno e tendo no estilista Dudu Bertholini o centro de sua narrativa, servindo tanto como personagem entrevistado quanto como entrevistador, o longa se desenvolve com um ritmo contagiante. Em nenhum momento Miriam Chnaiderman deixa o interesse do espectador escapar, trazendo à tela personagens marcantes e com histórias de vida inacreditáveis. O mais famoso deles, o cantor Ney Matogrosso, que discorre sobre sua carreira e a extravagância visual que a marcou, além é claro, do assunto primordial do documentário: a forma como cada um encara sua sexualidade, independente de amarras biológicas e sociais.
Neste sentido, Chnaiderman consegue alcançar com primazia seu objetivo máximo: fazer com que o próprio espectador se perca nas identificações dos personagens entrevistados. Por mais de uma vez, nos vemos em uma situação onde nos perguntamos: “Isso é homem ou mulher?”, “Trans homem, mulher ou apenas homossexual?”. A resposta para essas perguntas é, simplesmente: não importa! Estamos acompanhando a história de vida de, antes de tudo, seres humanos, que expressam sua sexualidade da maneira que acharem mais conveniente e se sentirem mais confortáveis. Elas são o que são, e o fato de um dia terem pertencido, eventualmente, ao sexo oposto, é um mero detalhe.
Ainda assim, não deixa de ser admirável que o longa tenha a presença de espírito de colocar gente de todas as identidades em cena. Normalmente, filmes do gênero tendem a se ocupar somente com gays ou travestis homens, mas aqui o que vemos é um desfile das mais variadas sexualidades. Homens (mesmo!) que eram mulheres, mulheres (mesmo!) que eram homens, gays, lésbicas e por aí vai. Cada um com uma história de vida e superação mais incrível do que a outra.
Em meio a tal magnético turbilhão colorido, Míriam Chnaiderman ainda encontra espaço para um montagem extremamente bem realizada, com a fala de um personagem dialogando em sintonia com a do outro, além de inserções intelectuais entre os discursos que remetem, simbolicamente, ao próprio conteúdo abordado. Assim, acompanhar as tirinhas colocadas, a música em alto volume ou a câmera com ângulos invertidos e inclinações bizarras, em certo nível, faz perfeito sentido, uma vez que o que estamos acompanhando em tela nada mais é do que uma grande mistura de identidades e conhecimento próprio, onde o que parece, não necessariamente o é.
Dessa forma, “De Gravata e Unha Vermelha” é um documentário que vale não só pelo tema tão atual que propõe, mas pela eficiência, honestidade e competência com que o faz. O diferente, aqui, é normal. Mas “diferente” e “normal” aos olhos de quem? Quando estas duas noções se misturam e se complementam, essa vira apenas mais uma pergunta sem resposta, ou que esta não importa. Que assim seja.
Este filme fez parte da programação do 24° Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, realizada em novembro de 2014.