Longa de Vicente Ferraz sobre soldados brasileiros enviados para lutar na Segunda Guerra Mundial homenageia os pracinhas sem torná-los peça de propaganda.
É quase criminoso quão pouco o nosso cinema lembra dos soldados brasileiros que lutaram na Segunda Guerra Mundial, especialmente as produções mais comerciais. Fonte inesgotável de histórias, esse trágico período da história humana foi retratado em diversas mídias por diversos países, mas sempre houve um injustificado acanhamento da produção cinematográfica brasileira em relação aos pracinhas, especialmente fora do gênero documentário. Felizmente, este “A Estrada 47” não apenas ajuda a suprir tal carência, como também se revela um bom filme per si.
Escrito e dirigido por Vicente Ferraz, o longa é focado em um grupo de pracinhas do exército brasileiros locados em Monte Castelo. Após um ataque de pânico coletivo, eles abandonam seus postos e se vêem forçados a fazer uma difícil escolha: voltar à base e sofrerem corte marcial ou tentarem abrir a Estrada 47, um campo minado pelos alemães pelo qual as forças americanas precisam passar. No caminho, encontros com desertores do eixo adicionam um toque de paranóia à já perigosa jornada dos soldados.
Ferraz foi bastante influenciado pela série “Band of Brothers”, especialmente ao lidar com o relacionamento interno do grupo principal. A despeito do filme dedicar maior atenção ao engenheiro Guima (Daniel de Oliveira), até por este também atuar como um narrador, relatando os eventos que vemos em tela em uma carta para seu pai, todos os membros desse bando improvisado ganham destaque.
Em especial, os atores Francisco Gaspar e Thogun Teixeira merecem aplausos na criação de seus personagens, Piauí e Laurindo. Em uma cena especial, na qual os dois brasileiros contracenam com o alemão Richard Sammel, vemos o lado mais humano desse conflito, no qual esses três, tão longe de seus respectivos lares e famílias, buscam uma linguagem em comum para se comunicarem. É um momento tocante e verdadeiramente humano, que contrasta com a realidade dura da guerra.
Existem sim momentos de ação mais “típica” no filme, com trocas de tiro muito bem realizadas, mas o foco da produção é nas interações entre esses homens de personalidades tão diferentes. A busca do Tenente Penha (Júlio Andrade) em se impor. A culpa de Guima em ter sobrevivido a um acidente. As rusgas entre Laurindo e Piauí, o único a admitir abertamente seu medo…
A falta de confiança inicial do grupo, além do ambiente inóspito aos brasileiros, gera uma tensão natural dentro dos pracinhas, tensão esta explorada muito bem por Vicente Ferraz. A produção ainda conta com uma direção de arte extremamente competente em recriar não apenas os uniformes e equipamentos dos pracinhas e dos demais soldados estrangeiros, mas também a própria ambientação da trama, com a fotografia ainda a explorar o contraste dos brasileiros em meio a um cenário gélido.
“A Estrada 47” não se contenta em ser apenas um lembrete panfletário de que o Brasil fez sua parte no esforço de guerra. Para isso existem os newsreels da época. Vicente Ferraz mostra aqui nossos pracinhas como algo mais que imagens sorridentes em vídeos de propaganda, mas como homens que sofreram e lutaram.