Com sensibilidade e bom humor, Alfonso Zarauza constrói um irregular recorte de realidade de uma Espanha em crise.
Com a Espanha mergulhada na crise econômica, um filho pra sustentar, um (ex) marido ausente e uma mãe distante, Neneta (Lola Dueñas) tem que se virar como pode para contornar todos os problemas e tocar a vida dignamente. Para tanto, ela arranja um trabalho na construção civil. Tendo que lidar com o preconceito inicial por ser mulher em um meio onde predomina tanto a presença masculina, Neneta acaba por fazer amizades e a atribuir todo um novo significado para as relações que mantém com as pessoas a sua volta, seja no campo do profissional ou do social.
É nesse contexto de terra arrasada que a trama deste “Os Fenômenos” se desenrola. Todo esse pano de fundo, aliás, serve quase como um tema à parte. É inegável o papel, por exemplo, que a estagnação econômica que assolou a Europa nos últimos anos tem na história, sendo o motor que move a ação e as atitudes dos personagens. Sob este ponto de vista, o diretor espanhol Alfonso Zarauza constrói uma espécie de “semi-documentário”, denunciando os horrores e as dificuldades ocasionadas por tamanha crise; a complexidade em se arranjar um emprego, as baixas remunerações, as complicações imobiliárias, etc.
E a construção dessa atmosfera proposta pelo diretor é extremamente eficiente, encontrando ressonância na espetacular direção de fotografia de responsabilidade de Alberto Díaz. Apostando obviamente em uma paleta dessaturada, de tons frios e pálidos, Díaz arquiteta com maestria a tristeza e a atribulação do meio no qual aqueles indivíduos estão inseridos. Desse modo, a relação entre estes ganha toda uma nova conotação, atribuindo riqueza e profundidade à narrativa.
Por outro lado, há sensibilidade o suficiente no roteiro e entre os realizadores para tirar um pouco do peso dramático de tanta gravidade com uma bem-vinda comicidade. Se no começo Neneta tinha dificuldades em se relacionar com os companheiros de trabalho, com o tempo isso vai se dissolvendo e ela passa a ser querida por estes e, mais, até desejada por alguns. As situações que saem desta conflituosa relação são divertidas e conseguem, com muito bom humor, até fazer piadas (todas muito sutis, sem qualquer tipo de inconveniência intrusiva) autodepreciativas daquele contexto tão miserável.
Quando o longa foca nesse lado da trama, o resultado é excelente. Quando, em mão contrária, prefere sair do ambiente de trabalho de Neneta e levar a relação desta com homens de seu passado para uma posição de destaque, a película acaba empalidecendo. Talvez encontrando na dificuldade em transitar entre tais linhas narrativas e equilibrá-las de modo satisfatório seu principal ruído, parte do enorme potencial da obra acaba sendo desperdiçado ao longo dessa espécie de jornada de autodescoberta da protagonista.
Entre erros e acertos, “Os Fenômenos” é, sem dúvidas, um trabalho que merece reconhecimento e elogios. Não só pelos personagens carismáticos e pela “historinha” que conta, mas pela seriedade das ideias que propõe e pela competência artística com que o faz.
Este filme fez parte da programação do 24° Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, realizada em novembro de 2014.