Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de novembro de 2014

Não Roubarás… a Menos que Seja Necessário (2013): a vida como ela é

Viviana Cordero distorce ambientes e valores para questionar nossas convicções mais profundamente estabelecidas.

O homem (enquno robarásanto espécie) é produto de seu meio? Até que ponto uma pessoa que nasce em péssimas condições de vida, sem dinheiro para nutrir algumas de suas necessidades básicas, em uma família desestruturada e com diversas outras circunstâncias contra, pode florescer na vida e tornar-se um ser humano digno? Essas e outras questões são discutidas neste ótimo “Não Roubarás… a Menos que Seja Necessário”, longa equatoriano essencialmente determinista (desde seu título) de Viviana Cordero.

Na trama, acompanhamos Lucy, uma jovem de origem humilde que vive com a mãe, os irmãos (duas irmãs e um irmão) mais novos e o padrasto que frequentemente comete atos de violência contra sua mãe. Após inúmeras “idas e vindas”, o casal eventualmente se parte quando ela o empurra escada abaixo deixando-o gravemente ferido no hospital. Presa temporariamente acusada de tentativa de homicídio, ela deixa para Lucy a tarefa de administrar o lar e cuidar da família. Sem recursos, a garota terá que se virar como pode para encarar tão penoso desafio.

Tendo na energia avassaladora da juventude de sua protagonista sua força motriz, o longa estabelece paradigmas que ele próprio vai desconstruindo no decorrer de sua projeção. A cena que a abre, por exemplo, nos mostra uma Lucy sonhadora em frente a vitrine de uma loja admirando um par de botas tão distante de sua realidade. No entanto, à medida em que a trama vai se desenrolando, veremos que tal realidade pode ser distorcida por valores éticos e morais, que são postos como obstáculos diante da jornada da personagem principal.

E isso vale para outros segmentos da história; a sua banda de metal, a relação com os irmãos, com o garoto recém-chegado ao seu condomínio; elementos colocados como estabelecidos e que vão sendo modificados ao longo dos acontecimentos por situações circunstanciais, que colocam o caráter e a idoneidade dos envolvidos à prova. Ou será que é mesmo uma questão pura e simplesmente de caráter? Questionamentos que, de modo bastante eficiente e razoável distanciamento, apesar do envolvimento emocional presente a todo instante, a fita jamais tenta responder por conta própria. Os elementos estão ali, e cabe ao espectador julgá-los da maneira que achar mais correta e conveniente.

Neste sentido, a opção estética da diretora Viviana Cordero em filmar frequentemente com lentes grande-angulares se prova absolutamente acertada, distorcendo o ambiente em volta dos personagens para ilustrar a situação precária em que vivem, tanto do ponto de vista material quanto moral. O que é bastante interessante, uma vez que a maioria dos realizadores, em casos semelhantes a este, optam por uma lente mais objetiva, que foque apenas os personagens da ação, e não também o ambiente que os rodeia.

Dessa forma, com um esmero artístico admirável por sua coragem e criatividade, “Não Roubarás… a Menos que Seja Necessário” se mostra um filme instigante, que a todo momento leva o espectador à fronteira de suas convicções sobre o que é certo e errado, justo ou injusto. Tudo isso tendo no epicentro de sua narrativa uma jovem (interpretada pela também equatoriana Vanessa Alvario) forte e com uma sede contagiante de viver, mas que é puxada para trás pelas circunstâncias de uma dura realidade.

Este filme fez parte da programação do 24°  Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, realizada em novembro de 2014.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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