Christopher Nolan entrega uma obra que quase perde seu norte ao tentar conciliar razão e emoção, resultando em um filme deveras irregular.
Existem três filmes dentro de “Interestelar”. O primeiro é um drama rural distópico. O segundo, uma ficção científica espacial de aventura com contornos dramáticos. Finalmente, uma ficção metafísica sobre a não-linearidade espaço-temporal entre causa e efeito (Wibbly-Wobbly Timey-Wimey).
Em um futuro onde uma praga começa a exterminar as plantações e transformar a Terra em um deserto empoeirado, um grupo de exploradores espaciais sai em uma missão desesperada a uma outra galáxia, em busca de um novo lar para a humanidade. Em meio a isso tudo, a relação entre o piloto da missão, o impetuoso Cooper (Matthew McConaughey) e sua filha, a curiosa Murphy (Mackenzie Foy/Jessica Chastein), pode vir a ser o fio da balança para o destino da humanidade.
Dirigido e escrito por Christopher Nolan, que contou com a colaboração do seu irmão e parceiro habitual Jonathan no roteiro, “Interestelar” é um ponto fora da curva para o cineasta. Não apenas por conta do resultado final turbulento, mas também pela sua temática. Os filmes de Nolan sempre tiveram como motores narrativos a obsessão de seus protagonistas e um duelo perpétuo entre racionalidade e caos.
Nesta sua nova empreitada, o artista deixa tais marcas em segundo plano e coloca como força motriz da narrativa o amor. É aí que os problemas começam a surgir. Por mais que seja ótimo ver Nolan fugindo de sua zona de conforto, os discursos expositivos que os personagens fazem sobre o “amor” nunca são tão efetivos quanto a interpretação desse sentimento por parte dos atores. Tomemos como exemplo “Fonte da Vida” (2006), de Darren Aronofsky. A relação entre os personagens de Hugh Jackman e Rachel Weisz ali conquista o espectador porque ela é posta em cena e desnudada. Mostre, não diga, essa é a regra de ouro do audiovisual, o que o cineasta parece ter esquecido aqui.
Ao investir em discursos verborrágicos sobre sentimentos, especialmente aqueles feitos pela personagem de Anne Hathaway, Nolan perde momentos preciosos de projeção que poderiam ser usados explorando tais sentimentos e suas implicações, vide a poderosa cena em que pai e filha – McConaughey e Foy – se abraçam e se indagam se ele voltará de sua perigosa missão. Este é um momento de amor entre dois seres humanos que não precisa ser dissecado pelas palavras, mas sim exposto por meio da dor nas vozes dos atores e nas lágrimas em seus rostos. Em outra cena, McConaughey se rende emocionalmente à câmera, em um plano fechado que foca em sua reação devastadora a um vídeo.
Durante a projeção, o público é bombardeado por informações e conceitos científicos de maneira tão intensa que tornam difícil a imersão na história, por mais interessantes que sejam. Algumas ideias são encaixadas de maneira bem orgânica à narrativa, como o modo encontrado pelo governo de aleijar as crianças de iniciativas científicas e a transformação da NASA em uma instituição clandestina. Até mesmo o experimento do Gato de Schrödinger é referenciado visualmente de maneira bastante eficiente, sem contar a inteligente utilização da Teoria da Relatividade de Einstein para aumentar os riscos durante determinado trecho da jornada.
Infelizmente, os irmãos Nolan tiveram menos sucesso ao costurar certas teorias da física quântica ao roteiro, especialmente no terceiro ato, onde as tentativas de fechar algumas pontas do roteiro se mostram especialmente forçadas e até covardes. Christopher Nolan parece sentir a necessidade de complicar demais sua trama, o que mina a fluência desta, restando aos atores fazerem o impossível para parecerem humanos em meio a torrentes de diálogos de tecnobaboseira. Felizmente, o elenco escalado é magnífico e consegue transformar boa parte dos limões que lhes são dados em limonada.
Neste sentido, Matthew McConaughey se sai magnificamente bem, justamente por transformar seu Cooper em um homem comum e falível, preso em circunstâncias extraordinárias. Em nenhum momento há dúvidas dos sentimentos do protagonista por sua família, graças ao peso que o ator dá a essa ligação. O mesmo se aplica a Jessica Chastein e Mackenzie Foy, ambas irrepreensíveis na composição de Murphy em fases diferentes de sua vida.
E que bom é ver dois atores veteranos como John Lithgow e Michael Caine em interpretações tão vigorosas, mesmo com pouco tempo de tela. Por sua vez, Anne Hathaway surge desperdiçada em cena pelos motivos já explorados acima. Dois outros astros também fazem participações importantíssimas no longa, embora falar mais sobre eles significaria entregar surpresas sobre o desenrolar da história. Basta dizer que, enquanto um deles encarna o desespero da humanidade em sobreviver a qualquer preço, outro encarna a esperança em trabalhar por dias melhores.
Do ponto de vista técnico, a produção é impecável, especialmente ao criar, por muitas vezes de maneira prática, cenários tão distintos quanto uma fazenda tradicional, a base da NASA, a espaçonave Endurence e os planetas visitados por Cooper e seus companheiros. Até mesmo os robôs TARS e CASE, simples em suas concepções, revelam possuir um design externamente inteligente e que homenageia “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968, Stanley Kubrick), de várias maneiras.
A experiência em IMAX é extremamente recomendada, especialmente por conta do espetáculo sonoro provido pelo formato, que realmente ajuda o espectador a mergulhar nos diferentes ambientes pelos quais a trama passeia (a visita ao mundo aquático é simplesmente incrível). A trilha de Hans Zimmer, mais melancólica e etérea que o habitual, é belíssima, havendo novos ecos aqui de “2001”, embora a fita peque em seu uso excessivo, funcionando, por vezes, até mesmo como uma muleta dramática.
Por todas as suas ambições, é uma pena que “Interestelar” seja uma obra tão irregular, mesmo havendo muito a se apreciar no longa. Ao tentar conciliar emocional e racional, Nolan criou uma trama que não serve bem a nenhum desses mestres, presa em um limbo de soluções fáceis, transformando o que poderia ser um filme inesquecível em um quase-tropeço.