A empreitada ambiciosa (embora não inédita) do cineasta Richard Linklater funciona justamente por seu enfoque em uma história simples e prosaica de crescimento. Paradoxalmente, este extraordinário filme prova a complexidade de uma existência comum.
Como diria Harvey Pekar, “a vida comum é algo muito complexo“. O protagonista deste “Boyhood – Da Infância à Juventude”, Mason Jr. (Ellar Coltrane), não está destinado a salvar nenhum reino fantástico, nem foi picado por uma aranha radioativa ou é o herdeiro de uma fortuna inesgotável. Ele é um menino normal, cujas curiosidades, angústias, alegrias, descobertas e dores são acompanhadas pela câmera de Richard Linklater por mais de uma década.
O diretor e roteirista escolheu como objeto de estudo o crescimento de um garoto da infância até sua maioridade, um projeto que durou doze anos até sua fruição, exigindo algumas semanas por ano de dedicação por parte dos atores, uma empreitada que poderia ter sido destruída pelo acaso no meio do caminho, o que, felizmente, não aconteceu.
Conforme pudemos ver pela trilogia “Antes”, do qual este filme é quase uma evolução natural, Linklater é fascinado pelas vicissitudes do ordinário. Logo no começo, quando Mason fala de sua teoria de como as vespas nascem, o olhar sonhador do menino se mostra deveras cativante. A dúvida que paira a partir deste ponto é se aquele garoto manterá aquela aura tão bonita no decorrer dos anos e da projeção.
A despeito das rusgas com sua irmã (Lorelei Linklater, filha do diretor), das más decisões de sua mãe (Patricia Arquette, na melhor interpretação de sua vida) e da distância de seu pai (Ethan Hawke), um homem que ainda tenta manter sua jovialidade e escapar das responsabilidades da idade, vemos que Mason ama sua família e por ela é amado.
Acompanhamos a linha de tempo dos acontecimentos através do ambiente do longa. Pensar coisas como “eu ouvia essa música nesse ano” ou “eu estava no lançamento deste livro também” faz com que a audiência partilhe (mais ainda) das experiências de Mason Jr., com ele podendo ser o garoto que estava do seu lado na fila para ver o último “Star Wars”.
Ellar Coltrane, com sua naturalidade e carisma frente às câmeras, torna seu Mason íntimo do público rapidamente, o que permite uma identificação com o personagem e com a realidade em que ele vive. Propositadamente ou não, é possível enxergar muitas das marcas de interpretação de Ethan Hawke nas cenas que mostram Coltrane criança. Aos poucos, o ator vai se livrando dos cacoetes e inflexões similares aos do seu pai cenográfico e adquirindo um linguajar gestual e verbal próprio.
Interessante também notar que Mason Jr. e sua família são Democratas e, considerando que a história se passa no Texas, isso contribui para que eles se sintam um pouco isolados daquele ambiente (vide os pais da segunda esposa de Mason sênior).
Ao contrário do que acontecia na trilogia “Antes”, onde os longos diálogos eram basicamente setpieces (especialmente em “Antes da Meia-Noite”), a trama aqui é formada por “pequenos” momentos, mas jamais se torna episódica, fluindo com naturalidade impressionante. Por mais que a trajetória de Mason Jr. seja o fio condutor do roteiro, o longa não esquece daqueles que lhe são próximos.
Nisso, os erros de relacionamento da mãe do garoto e o amadurecimento tardio de seu pai são tramas tão importantes para a narrativa quanto aquelas que envolvem o protagonista diretamente. Um exemplo disso é o diálogo entre Mason Jr. e sênior, onde o primeiro nota que seu pai “cresceu” através de algo tão prosaico como a venda de um carro, momento este que faz o rapaz perceber que algum dia ele mesmo terá de passar por isso.
A fita também não se furta a mostrar cenas dolorosas, mas que fazem parte do dia a dia. O alcoolismo desempenha papel importante no decorrer da história, afetando figuras próximas de Mason de maneira devastadora, primeiro de maneira velada, depois de modo aberto, assustador e patético, tudo ao mesmo tempo.
Especialmente acertada é a decisão de Linklater em não poupar Mason Jr. da dor das perdas que o tempo impõe. Pessoas entram e saem de nossas vidas, por vezes sem muita cerimônia e com poucas chances de reencontro, mas isso faz parte da experiência de viver. A derradeira cena de Patricia Arquette na produção é um verdadeiro soco no estômago nesse sentido, sem que o diretor amenize de maneira artificial uma partida difícil e repleta de significado para Mason Jr. e sua mãe.
É impossível sair de “Boyhood – Da Infância à Juventude” sem sentir uma sensação de orgulho ao ver como Mason Jr., apesar dos pesares, sobreviveu (ao menos até ali) a essa desventura constante que é a vida. E sabe de uma coisa? Nós também.