Sem carisma e com uma estrutura narrativa problemática, longa desperdiça o que poderia ser uma tocante obra de superação e paixão ao cinema.
Primeiro longa de ficção do documentarista Fernando Grostein Andrade, “Na Quebrada” acompanha um grupo de jovens que, vivendo a dura realidade da periferia de São Paulo, com suas dificuldades financeiras, alta criminalidade e pouca infraestrutura, buscam meios para driblar os obstáculos e enfrentar a vida de cabeça erguida. Cada um do seu modo, o que une essas pessoas é a paixão pelo cinema e a influência decisiva que este exerce, de uma maneira ou de outra, em suas vidas.
Talvez por seu passado como documentarista, Andrade tenha tido tantos problemas na condução deste trabalho. Flertando diversas vezes com o seu gênero especialidade, a estrutura narrativa aqui construída é absurdamente problemática, com saltos temporais e de perspectiva entre personagens sem qualquer naturalidade. A câmera na mão, com enquadramentos frequentemente em primeiro plano, também sugere um tom documental que até poderia ser bem-vindo se houvesse um esforço dos realizadores neste sentido, ou mesmo se o filme se assumisse como um documentário de fato. Como ficção, entretanto, tais opções se mostram equivocadas, esteticamente duvidosas e pouco práticas.
Aliás, toda obra de ficção que se propõe a contar a história de um razoável número de indivíduos, com elas se entrelaçando entre si, encontra um enorme dificuldade em equilibrar tais linhas narrativas de modo a soar orgânico dentro da trama e natural do ponto de vista dramático. Mesmo que concentradas em um espaço físico relativamente diminuto, a periferia de uma grande cidade, tal opção se mostra uma operação complexa e que precisa ser pensada com extremo cuidado para não cair em erros bobos. O que, infelizmente, é o que ocorre aqui, com uma gama de sujeitos que, após cerca de uma hora meia de projeção, não conseguem despertar qualquer tipo de interesse maior do espectador, tamanha distância e frieza com que seus dramas, desconectados um do outro, são construídos.
A falta de foco narrativo é tamanha que, por vezes acompanhando a perspectiva de um personagem, sem mais nem menos o filme nos joga na perspectiva de outro. Pouco depois, entra em uma linha temporal diferente, e assim por diante. Some-se a isso um roteiro, de autoria também de Andrade juntamente com Marcello Vindicatto, que pouca força faz para juntar todos esses cacos e construir uma só história, coerente, coesa e eficiente. Novamente, com sua estrutura frágil e desconexa, não consigo deixar de refletir que este teria sido um trabalho bem mais satisfatório se fosse pensado como um documentário.
Utilizando em grande parte atores e atrizes amadores também da periferia, “Na Quebrada” possui um grande mérito que é justamente o conforto que tais pessoas transmitem em cena ao interpretar seus personagens. Como conhecem aquele cotidiano, suas expressões, vocabulários e trejeitos pouco precisam se alterar, conferindo um ar de naturalidade bastante interessante na composição dramática das atuações. Técnicas parecidas já foram bem sucedidas em filmes como “Cidade de Deus” e, mais recentemente, no ótimo “A Vizinhança do Tigre”, exibido em festivais e ainda inédito em circuito comercial.
Bagunçado, expositivo e didático em excesso, com legendas abrindo e fechando a projeção, o resultado final não convence. Dessa forma, temos uma obra que, apesar dos elementos interessantes e das boas intenções que permeiam toda a película, acaba não encontrando forças pra se sustentar com sequer razoável eficiência, desperdiçando o que seria uma ótima premissa, caso desenvolvida com mais competência.