Com uma estrutura narrativa irregular, longa obtém sucesso ao criar uma atmosfera de tensão eficiente, mas peca nos excessos expositivos, visuais e didáticos.
Há algo de errado quando um filme precisa expor demais sua narrativa por meio de legendas e didatismos para contar uma história; quando esta se apoia bastante no que é falado e escrito e não no que é visto, contrariando uma das premissas básicas do cinema. Há algo ainda pior quando este mesmo filme precisa ser encerrado com longos textos expositivos para concluir uma trama que não se conseguiu (ou não se quis, deliberadamente) fazer dentro das quase duas horas de projeção. Entre (outros) erros e acertos, este é “Sem Evidências”, novo trabalho do diretor egípcio Atom Egoyan.
Escrito por Paul Harris Boardman e Scott Derrickson a partir do livro de Mara Leveritt, o longa acompanha a trama baseada em fatos reais de três adolescentes que foram acusados de assassinar brutalmente três crianças em um suposto ritual satânico. A falta de evidências, como o próprio título sugere, e a pressão absurda da mídia para que os acusados fossem condenados chamaram a atenção do advogado Ron Lax (Colin Firth), que decidiu sair em defesa dos réus em um julgamento recheado de depoimentos, testemunhos e conclusões duvidosas e estranhas.
É curioso, portanto, que a perspectiva base adotada por Egoyan seja a da mãe (Reese Witherspoon) de uma das crianças mortas, Stevie. Algo que, além de se revelar importante para o desenrolar das investigações, certamente também atribui um peso dramático extra à película. É inegável, inclusive, que a segurança com que Firth e Witherspoon interpretam seus personagens é possivelmente a maior força do longa. O primeiro já teve o talento carimbado recentemente com seu Oscar por “O Discurso do Rei”, mas é bom ver que esta segunda está novamente se mostrando uma atriz competente e capaz de encarnar facetas variadas e atribuir complexidade às personagens que interpreta, após ser constantemente lembrada por seus papéis pasteurizados em inúmeras comédias românticas, apesar de também já ter levado uma estatueta para casa em 2005.
Em que pese a trama carregada e um clima de muita tensão, o resultado em tela não é nada muito inovador ou que encha os olhos de qualquer cinéfilo. É o suspense policial clássico, passado a partir de seu segundo ato quase inteiramente dentro de um tribunal. Apoiado por uma fotografia óbvia, mas não menos competente de Paul Sarossy, a dor dos envolvidos na tragédia é quase palpável e o julgamento é conduzido de modo razoavelmente eficiente durante toda a projeção, apesar das legendas expositivas identificando os suspeitos e as testemunhas, algo que o próprio filme deveria mostrar, ao invés de apenas sair escrevendo seus nomes na parte debaixo da tela enquanto estes entram em cena.
Além do mais, o experiente passado dos roteiristas no gênero terror parece atrapalhar o andamento de algumas sequências. Em uma tola tentativa de dar ainda mais peso a uma história que, por si só, já é bastante assustadora, Boardman e Derrickson (que inclusive foi diretor de “O Exorcismo de Emily Rose”, um dos filmes de terror mais cultuados dos últimos tempos) criam a todo tempo inserções de imagens entre discursos que parecem querer forçar uma tensão extra que soa artificial e sem sentido. Sonhos, “aparições” no jardim de casa no meio da noite e a própria suposta ligação dos adolescentes acusados com rituais demoníacos martelada a todo instante são elementos dispensáveis e que não acrescentam nenhuma camada significativa de suspense ou drama à narrativa, desviando o foco do principal: o mérito do julgamento.
Dessa forma, “Sem Evidências” é um thriller razoável, que se sustenta pela angustiante atmosfera de tensão muito bem construída, reforçada por uma trilha sonora eficiente, mas acaba se sabotando com uma estrutura irregular e nos excessos visuais e expositivos. De qualquer modo, a força de Firth e Witherspoon na condução dramática do longa é sem dúvidas algo que atribui um charme especial à experiência, fazendo com que uma obra apenas mediana se torne algo que vale a pena ser conferido.