Filme rodado no Brasil não acrescenta muito à filmografia de Stephen Daldry.
O inglês Stephen Daldry foi por muito tempo diretor de teatro e há pouco mais de dez anos estreou no cinema com o divertido “Billy Elliot” (2000), que agradou e deu margem para projetos futuros. Em “As Horas” (2002), fez um filme que se mostrou deveras delongado, mas trouxe uma impressionante performance de Nicole Kidman como Virginia Woolf. O mesmo se deu depois com “O Leitor” (2008), também dramaticamente carregado e salvo pelo estrondoso desempenho de Kate Winslet, que, assim como Kidman, conseguiu faturar o Oscar de Melhor Atriz, sendo comandada por Daldry.
No tocante “Tão Forte e Tão Perto” (2011), o cineasta voltou a conduzir um protagonista mirim e impetrou um dos trabalhos mais emocionantes de sua carreira. Uma história de pai e filho que mexeu e encantou diversas plateias. E agora neste “Trash – A Esperança Vem do Lixo” (2014), inspirado no livro infanto-juvenil de Andy Mulligan, Stephen Daldry repete o ato, pois, apesar do pôster estampar imagens dos astros Wagner Moura e Selton Mello, traz nos papéis principais o trio Raphael, Gardo e Rato (Rickson Tevez, Eduardo Luis e Gabriel Weinstein), garotos que interpretam catadores de lixo que se metem em uma situação perigosa envolvendo, entre outras coisas, política, religião e força militar.
Ainda que sejam distintos nos temas abordados, há pontos em comum entre os títulos de sua carreira: todos são adaptações de obras literárias, como também é fácil perceber as características narrativas presentes nos trabalhos do autor, sendo a maior delas a mão pesada, no que se refere ao desenvolvimento fílmico. A linguagem cinematográfica, sempre calcada em trilhas constantemente arrastadas, é habitual e emula outros profissionais da área. Até em um longa como “Trash”, que carece um pouco mais de energia, Daldry mantém um ritmo lento e díspar para o que se propõe contar. Estamos acostumados com o chamado “filme-favela”, sempre agitados e elétricos, mas aqui, mesmo que o diretor vez ou outra siga essa linha, fica claro que seu estilo é outro.
A trama do conto (que também poderia se passar em outros países), apesar de inicialmente parecer simples, com o passar do tempo vai ficando bem inusitada. O já mencionado menino Raphael, em sua coleta diária, acha uma atípica carteira e conta para os amigos Gardo e Rato que, além do dinheiro, há algo incomum. Ao mesmo tempo, a Polícia está à procura do tal objeto, oferecendo até uma recompensa para quem encontrasse. Cismados, o grupo decide, então, guardar o artefato. A partir daí, situações incabíveis começam a acontecer.
[Se você ainda não viu o filme, recomendo que passe aqui para o próximo parágrafo.] Primeiro nos perguntamos por que raios essa turminha perderia a chance de faturar mais algum com a recompensa, já que, além de gastar, poderiam ajudar a comunidade. Notamos também uma identificação instantânea do moleque com o personagem José Angelo (Moura), onde, após arriscar a pele do amigo, passa a ler repetidamente uma carta de sua alcunha – curiosidade de criança ou forçação de barra? Depois vemos Rafael ser torturado (!) pelos policiais e, mesmo estando à beira da morte, não confessa o que fez com o tal MacGuffin. O ápice advém quando ele e Rato dão uma de detetive e começam a “juntar as peças” do caso, para encontrar o que o sujeito escondia. Vale citar a pequena Pia (Maria Eduarda) que ficou sozinha e calada por dias no cemitério aguardando alguém.
Por outro lado, em aspectos estéticos, a fita impressiona pela variação de tons bem utilizados do cinematógrafo Adriano Goldman. Perceba que a película começa clara e vibrante, mas com a chegada dos fatos de tensão, temos uma atmosfera sombria, que só irá sumir ao final, em uma das cenas visualmente mais lindas do longa. O desenho de som não chama muito atenção por sempre estar amparado à trilha sonora de Antônio Pinto, que se revela um tanto cálida. A dupla de roteiristas Felipe Braga e Richard Curtis também não entrega um grande texto, pois, ainda que pontuais, os diálogos são expositivos. Entretanto, a montagem de Elliot Graham é hábil e diminui o inchaço fílmico.
Sem grandes atuações, nem mesmo dos gringos Martin Sheen e Rooney Mara, a obra, no fim das contas, não acrescenta muito à filmografia de Stephen Daldry e está bem abaixo de títulos como “Cidade de Deus” (2002) e “Tropa de Elite” (2007). Na verdade, o filme me soa como uma versão piorada do clássico “Pixote, a Lei do Mais Fraco” (1980), claro, sem a mesma crueza e realidade ali impressa, mas com um personagem, de certo modo, corajoso e marcado pelo duro cotidiano. Contudo, acho válido o exercício de diretores estrangeiros se aventurarem em diferentes propostas culturais e cinematográficas.