Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 05 de setembro de 2014

Se Eu Ficar (2014): um drama superficialmente belo

Chloë Moretz estrela um romance delicado, bem construído e de forte peso dramático, que também possui um final peculiar e quase põe tudo a perder.

306996.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxMesmo lançado em 2009, três anos antes do romance de John Green, “A Culpa é das Estrelas“, a adaptação de “Se Eu Ficar“, best-seller de Gayle Forman, pega carona no filme de Josh Boone e aparece como outro conto genérico do estilo, que narra a vida de um jovem casal sendo atrapalhada por uma tragédia. Os longas baseados nas histórias de Nicholas Sparks conquistaram plateias no mundo inteiro e geraram filhotes dentro e fora da literatura.

Assim que pensamos nesses títulos, imaginamos um melodrama sentimentalóide, carregado por tédio e momentos exagerados. No entanto, transposições como “Diário de uma Paixão” (2004) e “Noites de Tormenta” (2008) são exemplos positivos que divergem um pouco dessa linha de raciocínio. Isso também acontece nos trabalhos de Nancy Meyers (“Alguém Tem que Ceder”), já que, mesmo sendo água com açúcar, eles carregam personagens interessantes e abordagens maduras.

Contando com a estrela Chloë Grace Moretz, que interpreta a protagonista Mia, e dirigido por R.J. Cutler, conhecido por comandar seriados televisivos como “Nashville“, este igualmente díspar filme, “Se Eu Ficar”, nos apresenta à bela e triste história da família Hall. Eles que aparentemente vivem a graça cotidiana têm sua estrutura literalmente abalada por um acontecimento terrível, que nos pega de surpresa e cria uma apreensão geral – pelo menos no segundo ato, que se mostra angustiante. Isso porque Cutler dedica muito tempo de tela à apresentação e aprofundamento dos personagens. O casal de roqueiros Denny (Joshua Leonard) e Kat Hall (Mireille Enos) são naturalmente alegres e humanamente falhos, mas nutrem um amor gigantesco pelos filhos e facilmente nos conquistam pelo jeito. O mesmo se dá com os avós vividos pela querida dupla Gabrielle Rose e Stacy Keach, que transmitem doçura e singelidade.

Algo que chama atenção aqui, por parte da direção, é como R.J. Cutler decide seguir com a narrativa. Por muito utilizar o recurso do flashback, temos a impressão que a história caminha em um formato não linear, o que é de um acerto tremendo. Por somente dar pistas e revelar a trama pouco a pouco, o cineasta aguça a curiosidade do espectador, que a todo o momento tenta entender qual o sentido do conto ser levado daquela forma. Ou mesmo desperta o interesse em saber, afinal, o que irá acontecer ou aconteceu na vida daquelas pessoas. E, mesmo transitando em um estilo que necessita do forte teor melodramático, Cutler mantém uma elegância estética e cinematográfica surpreendente. Sendo auxiliado pela fotografia do experiente John de Borman, que por muito trabalhar no gênero sabe variar entre os tons e conferir a atmosfera pedida para cada andamento.

O bom elenco, não podendo ser diferente, tem como destaque a talentosa Chloë Moretz que, com apenas 17 anos de idade, demonstra a confiança e sutileza de uma atriz experiente, e está ainda mais linda nesse papel, que por si carrega uma personagem não tão real – uma menina que desde criança se interessa pelas composições de Ludwig van Beethoven e tomou como meta ser uma lendária violoncelista, chegando a treinar o dia inteiro pra isso. Mas depois vamos descobrir que sua inesperada admiração por Beethoven nada mais foi que uma rima narrativa do autor para com a vida pessoal da garota. Liana Liberato parece seguir os passos da Moretz, por sua forte personalidade. Mireille Enos, a Sarah Linden da série “The Killing“, faz um papel deveras diferente em relação a outras personagens da carreira, mas não chega a ser evidência por aqui, apenas não compromete. O mesmo acontece com Joshua Leonard, que até passa a veracidade de um pai comprometido. Por outro lado, o jovem Jamie Blackley constrói um rockstar caricato.

Não obstante, nem tudo aqui é festa, já que lá pelo terceiro ato o filme entra em uma de se enquadrar nas mesmas fórmulas caducas seguidas pelo gênero. Certamente os produtores não queriam fugir do desfecho do livro e resolveram seguir a risca esse esquema absurdamente clichê e sem impacto. Embora a choradeira e situação piorem ainda mais, o encerramento da trama se mostra pavoroso. A revelação é tola. É como se tivéssemos sido enganados por um traçado que soa maniqueísta, dando uma total impressão de fragilidade na conclusão do roteiro – até detentor de bons diálogos – assinado por Shauna Cross, que vinha do regular “Garota Fantástica” (2009). De modo que, mesmo Cutler se desdobrando e construindo algo realmente atraente, o esforço não supre a decepção desse final pueril. O que é uma pena.

Wilker Medeiros
@willtage

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