Continuando sua passagem pela Europa, o experiente e marcante Woody Allen confronta, dessa vez, sentimento e descrença em obra que se revela bem pessoal.
Em tempos conturbados e prejulgados como esses, mais para alguns, como o próprio Woody Allen, falar sobre conceitos pré-formados e arrogância intelectual vem muito a calhar. Ainda que de forma sutil, a resposta do cineasta sobre os recentes acontecimentos envolvendo Mia Farrow e sua filha, de certo modo, foi dada por meio de um filme que em alguns pontos revela-se inocente pelo forte teor de otimismo – ainda que a ideia vá de encontro ao negativismo latente visto em seus vários outros personagens. Ou talvez não, já que o protagonista desse conto seja em tese um dos mais descrentes escritos pelo cineasta.
Isso é perceptível logo no plot inicial, que nos apresenta o falso mágico Stanley (Colin Firth), um sujeito que vive pelo mundo desmascarando charlatões, já que não pode conceber a ideia que exista, em outro plano astral, um mundo fantástico capaz de ir de encontro à sujeira que se vê diariamente. Em uma dessas andanças, o ilusionista é contratado por um amigo de profissão, que se diz fascinado pelo dom de uma jovem médium, e quer, além de desvendar o caso, confrontar o companheiro por se sentir incomodado devido à alta presunção e ceticismo emanado. Mas, ao se relacionar com a tal garota, Sophie (Emma Stone), Stanley começa a duvidar de si mesmo e aos poucos vai se encantando pelo jeito doce e espontâneo da moça.
A película se inicia com uma explosiva e divertida cena que traz Stanley vestido como um estranho mago chinês, que faz truques clássicos e diverte a plateia alemã presente – canções locais e algumas casas típicas nos transportam para aquele lugar. E, ao mesmo tempo em que apresenta os traços da figura central, o autor explora com diálogos extensos a energia e o talento de Colin Firth, que exibe total domínio em tela. Por outro lado, não fica muito claro o porquê dessa obsessão em querer expor tais farsantes, mesmo tendo em vista seu estilo metódico e audaz, semelhante ao do personagem Spock. O que não acontece com Sophie, já que desde cedo mostra sua personalidade delicada e natural, tendo um background que mais tarde será importante para alguns esclarecimentos. A sempre bela Emma Stone confere uma doçura crível pelos seus trejeitos sutis e olhares profundos.
A empalidecida fotografia de Darius Khondji oferece um aspecto estético quase opaco, fazendo com que o espectador sinta que está vendo um registro de outra época. Como sempre vem sendo, Allen é bem auxiliado por uma meticulosa direção de arte que concebe um excepcional trabalho de mise en scène e é atenta a pequenos detalhes de cenário e figurino. O diretor também é hábil por manter um ritmo narrativo veloz e orgânico, com tomadas diretas e pontuais, sem nunca cansar o público. Um de seus melhores momentos aqui é a poética cena do Observatório, quando o casal contempla as estrelas e troca diálogos existencialistas. A fita também é embalada por clássicas composições francesas – voltando a filmar no país, três anos após o brilhante “Meia Noite em Paris” – ou mesmo com sinfonias emblemáticas.
Ao longo do filme pensamos se essa reflexão sobre o além da vida é uma fase de Woody Allen, que já acha sua incredulidade deslocada vide o momento que se encontra; ou é apenas uma ideia cínica disso tudo, já que em dado momento o protagonista se enxerga numa situação dita ridícula, ao ponto de não se conhecer e parecer cego ou fora de si por conta de uma intensa paixão. Aliás, vale a pena se iludir com aparências e fantasias em nome da felicidade? Há possibilidade do amor e da razão andarem juntos? Já que o sentimento teima ser incerto. Enfim, são indagações banais e mundanas, mas interessantes quando colocadas nessa perspectiva.