Cinebiografia não faz jus à vida e obra de seu protagonista e decepciona em (quase) todos os sentidos.
Paulo Coelho é um dos grandes nomes da literatura mundial. Sendo o único autor vivo traduzido em mais línguas que Shakespeare (como os próprios créditos finais fazem questão de destacar), o brasileiro é referência para todos que, direta ou indiretamente, desejam viver da escrita, como o próprio menino do ínicio dos anos 60 reinvindica perante o conservador pai (Enrique Diaz) neste “Não Pare na Pista”. Pena, portanto, que sua rica trajetória seja trazida às telonas em um longa bagunçado, sem ritmo algum e que aposta todas as suas fichas em meras alegorias e curiosidades, não trabalhando adequadamente para dar-lhes profundidade e força narrativa.
Dirigido por Daniel Augusto e escrito por Carolina Kotscho (“Dois Filhos de Francisco”), aqui acompanhamos a história do famoso escritor por meio de um entrelaçamento de três fases distintas da sua vida, em uma composição pouco orgânica e mal construída. Primeiro, temos o jovem (Ravel Andrade) do início dos anos 60 enfrentando inúmeros problemas para realizar o sonho de se tornar um escritor, inclusive a já citada resistência do pai. Em seguida, vemos Paulo Coelho tal qual o conhecemos hoje, de cabelos brancos e rabo de cavalo, após sair do hospital e partir em uma festa em sua homenagem na Espanha, em 2013. Pouco depois, uma terceira linha é adicionada quando um Paulo Coelho “semi-quarentão” (Júlio Andrade) nos anos 80 parece ter problemas com o bloqueio criativo e procura alternativas para acabar com tal penúria.
Assim, o longa se desenvolve partindo desta estrutura de três linhas temporais distintas, e que em dado momento irão se juntar. Ou pelo menos deveriam. Equilibrando-as com uma montagem artificial, em instante nenhum o diretor e a montadora Letícia Giffoni estabelecem uma conexão mais firme entre elas, o que é um problema gravíssimo. Quando se tem uma estrutura organizada mais ou menos dessa forma, com histórias paralelas (em tempos diferentes ou não), o primeiro ponto a se considerar é como fazer com que estas narrativas dialoguem entre si, de modo que comportamentos do personagem em um lado justifique atitudes e relacionamentos do outro e vice-versa. Aqui, o que fica parecendo é que os realizadores se preocuparam mais com uma suposta beleza estética (que realmente o é, quando bem montada e planejada) do que exatamente com o resultado prático que aquilo traria como benefício para a fita.
Evidente que, optando por tal abordagem, tendo em vista a já comentada beleza estética de uma montagem desse estilo, alguns acertos teriam que acontecer. A cena em que a mãe (Fabiula Nascimento) de Coelho toca o piano enquanto o filho digita na máquina de escrever tão sonhada, com uma montagem paralela de cortes rápidos e dinâmicos, resultam em uma sequência realmente bonita e poética, ressaltando que, assim como a música, escrever também é uma arte. Porém, mesmo momentos como esses são mal aproveitados, tendo todo o seu potencial narrativo jogado no ralo em um encaixe vazio e sem propósito.
Seja quando tenta aprofundar a marcante relação entre Paulo e Raul Seixas (Lucci Ferreira) ou quando resolve dar destaque à conflituosa época em que os dois estavam vivendo, de ditadura e perseguições políticas, o fracasso beira o constrangedor. Neste sentido, é interessante notar a aura quase divina que o longa tenta conceder a seu protagonista, sem caminhar de forma coerente e “pé no chão” para colher tais resultados. A cena em que pai e filho se reconciliam, já na parte final da projeção, é elaborada dramaticamente de maneira pedestre, colocando o primeiro como “o vilão implacável que sempre duvidou do genial filho e agora tem que pagar todos os pecados”, em uma dicotomia quase ingênua e pouco realista.
Dessa forma, apoiando-se em uma estrutura bagunçada e sem ritmo, “Não Pare na Pista” não faz jus à grandeza da vida e obra de seu personagem principal. Ao contrário do que o filme parece querer sugerir em tom de “autoimportância” a cada segundo, a verdade é que, ao contrário das qualidades e habilidades de Paulo Coelho como escritor e artista de um modo geral, nesta sua cinebiografia pouquíssima coisa se salva.