Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de agosto de 2014

Guardiões da Galáxia (2014): o último blockbuster das estrelas

Tendo como principais referências as aventuras sci-fi dos anos 1980, este décimo filme da Marvel Studios é o mais ousado da produtora até aqui, assim como o mais divertido, mostrando-se descontraído e sem medo de brincar com as próprias bobagens.

Todos os heróis levados às telas pela Marvel Studios até aqui eram, mesmo que em menor grau, relativamente conhecidos pelo público, tendo transposições anteriores para a cultura pop em forma de séries para a TV, videogames ou até mesmo filmes para o cinema. Este, com certeza, não é o caso de “Guardiões da Galáxia”.

Por mais que os personagens retratados neste longa estejam por aí há 30 ou 40 anos, eles fazem parte de um lado mais underground da Marvel, o universo cósmico da editora, conhecido apenas por leitores mais ávidos. Como toda boa adaptação, o longa funciona de maneira independente em relação ao original e, melhor ainda, deve atrair novos leitores para o gibi.

Isso porque o diretor e roteirista James Gunn, que escreveu o script ao lado da novata Nicole Perlman, criou uma nostálgica epopéia espacial (e musical) dentro do Universo Cinematográfico Marvel, distante de seus companheiros mais famosos em tom e geografia.

O tema dos heróis maltrapilhos de caráter dúbio que acabam se reunindo para salvar o dia já foi explorado por diversas vezes na cultura pop, seja com westerns, filmes de samurais ou na ficção científica. Como todo bom clichê, sua funcionalidade depende de como ele é aplicado e do carisma do grupo explorado. Gunn reconhece isso e nos brinda com um adorável bando de desajustados que nos conquistam justamente por conta de suas disfuncionalidades.

Nos confins do universo, o aventureiro Peter Quill (Chris Pratt), que rouba um objeto conhecido apenas como O Orbe, cobiçado pelo terrorista fanático Ronan (Lee Pace), que envia a assassina Gamora (Zoe Saldana) para recuperar o artefato. Quill também acaba na mira da dupla de caçadores de recompensa Rocket e Groot, além de trombar com Drax, o Destruidor (Dave Bautista), um brutamontes que jurou vingança contra Ronan após este matar sua família.

Após descobrirem o potencial destrutivo do Orbe, esses outrora antagonistas precisam resolver suas diferenças e correr contra o tempo para salvar um mundo da sanha genocida de Ronan. Tudo seria muito padrão, com as perseguições óbvias entre mocinhos e bandidos atrás de um MacGuffin misterioso e superpoderoso, não fosse o recheio que Gunn e Pearlman acrescentam.

Peter Quill nos é apresentado como um menino terráqueo abduzido logo após a perda da mãe, em uma cena cuja seriedade não só contrasta com o clima alegre e descontraído do restante da produção, como também ancora a história que se segue, dando um pilar de sustentação para a insanidade muito bem amarrada que se segue.

A interpretação irresponsável (no bom sentido) de Chris Pratt revela um homem que se recusou a crescer, um Peter (opa) Pan galáctico, cuja idéia de ser adulto é emular seus ídolos da infância, como Indiana Jones, Han Solo e Capitão Kirk, apegando-se ainda ao seu período na Terra, décadas distante, através das lembranças da mãe e desses ícones da cultura pop daquela época. Apesar de ser imaturo, mulherengo e ganancioso, há um bom homem no âmago dele, algo que o carismático Pratt retrata muito bem.

A dupla Rocket e Groot, mesmo gerada por uma animação digital, conquista o coração da platéia, com seu relacionamento à la Han/Chewbacca. O primeiro, um guaxinim genética e ciberneticamente modificado, é um gênio mecânico e tático cujo tamanho diminuto é inversamente proporcional à sua paixão por armas de fogo e explosivos.

Combinando a voz de Bradley Cooper e o talento dos responsáveis pela criação visual da explosiva criaturinha peluda, não só o temperamento esquentado de Rocket é exposto, mas também sua carência e necessidade de ser aceito, algo extramamente fácil de se compreender. Já a árvore humanóide e monossilábica Groot possui um ar inocente que contrasta com sua voz profunda (provida por Vin Diesel em vários idiomas) e habilidade de combate.

Mesmo que a Gamora de Zoe Saldana não faça plenamente justiça à fama de “mulher mais perigosa do universo” que sua contraparte nas HQs possui, a atriz pôde mostrar todo o seu potencial em cenas de ação, especialmente no seu combate fraternal junto a Karen Gillan, que vive a irmã de criação de sua personagem, Nebulosa, ambas filhas adotivas do sinistro Thanos (Josh Brolin), elo deste filme com o restante da franquia da Marvel Studios.

Finalmente, o fortão Dave Bautista e seu Drax acabam sendo, ironicamente, o ponto fraco do grupo. Mesmo que algumas gags envolvendo o Destruidor sejam até divertidas, principalmente aquelas envolvendo sua inabilidade de compreender metáforas, o ex-lutador se mostra um tanto duro e monótono em cena, faltando um pouco mais de naturalidade na entrega de seus diálogos.

Lee Pace tem pouco a fazer como o fanático Ronan, tendo em vista que o personagem não e seu ódio não são muito explorados pelo roteiro, até porque o foco do guião jaz no desenvolvimento dos Guardiões, sobrando pouco espaço para ele. Até mesmo o inescrupuloso saqueador Yondu, vivido por Michael Rooker com um forte sotaque caipira redneck, ganha mais cuidados que o azulado vilão, justamente por ter uma ligação direta com Peter Quill.

Já Glenn Close, Benicio Del Toro e John C. Rilley têm pouco mais que pontas glorificadas, embora Rilley exiba uma boa química com Pratt nas cenas em que aparecem juntos. Outro coadjuvante que aparece pouco, mas bem, é Djimon Hounsou, que utiliza sua voz e porte físico para impôr-se de maneira econômica como uma ameaça real, sem precisar de muita explicação.

Tecnicamente, a produção faz valer os 170 milhões de dólares nela gastos. Não só pela perfeita criação por CGI de seres como Rocket e Groot, mas também por efeitos de maquiagem práticos extremamente elaborados, um design de produção esperto, que usa como ponto de partida justamente os filmes referenciados direta e indiretamente pela narrativa, batalhas aeroespaciais de tirar o fôlego, combates corpo a corpo bem coreografados e cenários impressionantes, tudo isso fotografado em cores vivas e brilhantes, o que favorece o bem aplicado 3D e valoriza ainda mais o formato IMAX.

A trilha sonora, com músicas escolhidas a dedo pelo diretor para momentos-chave da projeção, demonstra um cuidado (e gosto musical) por parte de Gunn que remete diretamente a cineastas como Quentin Tarantino e Edgar Wright. É impossível falar aqui sobre tais canções sem dar spoilers da fita em si, justamente por elas serem tão ligadas ao andamento da história.

No final das contas, “Guardiões da Galáxia” é insanamente divertido e irreverente, mas jamais esquece de seu próprio conteúdo, costurando humor, nostalgia e drama de maneira orgânica e anárquica. Ao mesmo tempo em que brinca com chavões da ficção científica, com tiradas hilárias, a produção respeita seus personagens e os riscos apresentados, em um equilíbrio que vai agradar aos cinéfilos em geral, não apenas aos fãs de quadrinhos ou de ficção científica. Desde já, no aguardo para novas aventuras da tripulação da Milano e pelo Volume 2 da fita cassete awesome mix.

PS: Há uma divertida cena pós-créditos, com a participação de um inesperado personagem da Marvel…

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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