Denis Villeneuve, após o sucesso de "Os Suspeitos", continua competente no suspense, mas agora explorando o existencialismo do ser humano
“O caos é uma ordem por decifrar”. Após terminar de assistir “O Homem Duplicado”, esta frase simplifica bem o desafio que o novo filme do canadense Denis Villeneuve nos proporciona, instigando o público a decifrar e tirar sua própria conclusão do caos que acabou vivenciando. E assim, repetindo a ambiguidade de filmes como “A Origem” de Christopher Nolan e “Mistérios e Paixões” de David Cronenberg, só para citar alguns exemplos, este filme sugere a cada nova revisão, um novo tipo de interpretação, nos fazendo refletir sobre nossa própria existência.
Baseado na obra de José Saramago – que já teve uma adaptação de uma obra sua em “Ensaio Sobre a Cegueira” de Fernando Meirelles – o filme traz um roteiro, escrito por Javier Gullón, que caminha entre a realidade e o onírico, entregando fatos (e falsas pistas) sobre o que realmente está acontecendo com o protagonista, sempre deixando algumas questões abertas para que cada um tire sua própria conclusão.
Preso em uma rotina que o sufoca, o professor universitário Adam (Jake Gyllenhaal), após receber uma dica de um colega de profissão, aluga um filme e, ao assistir pela primeira vez, nada percebe. Contudo, durante um sonho, Adam acorda perturbado por uma lembrança estranha e, ao rever o filme, descobre que há um sósia seu no elenco. A partir desta situação, Adam começa a investigar o ator e descobrir a verdade sobre aquela pessoa semelhante a ele.
Villeneuve, como já fez em “Os Suspeitos”, vai revelando aos poucos os segredos da trama, mesmo que o ritmo do filme não empolgue muito até o momento em que Adam conhece seu “clone” Anthony, e vê que não foi uma boa ideia ter revelado sua descoberta, pois, a partir disso, Anthony começa a aproveitar da situação para saciar seus próprios desejos. Outro ponto comum com “Os Suspeitos” é o retorno de Jake Gyllenhaal, que mostra uma segurança enorme na pele do inseguro professor Adam, enquanto que como Anthony, tem a oportunidade de se soltar mais e se tornar uma ameaça para o protagonista.
Só por este conflito, a história pode ser considerada um belo suspense – do melhor estilo dos anos 1970, o que fica claro na homenagem dos créditos finais – mas o diretor é mais ambicioso. Realizando um filme que discute a perda da identidade que um indivíduo pode ter em uma sociedade que lhe consome. Uma discussão existencialista sobre que vida nós escolhemos para viver, e em uma tentativa de ser algo, acabamos vivendo a vida de outra pessoa.
Por isso uma das hipóteses que podem surgir durante uma reflexão da história, é a própria existência de Anthony, que poderia ser uma nova personalidade que Adam cria para fugir de sua tediosa rotina. Essa repetição do cotidiano o prende como uma presa fácil na teia da aranha, que aparece várias vezes no filme como um símbolo desta prisão. E ela se torna genial quando analisada vendo o início e o final do filme, como uma rima do início e o fim do caos, ou seja, a volta da rotina. Uma explicação que pode deixar o final menos surreal, mas não menos surpreendente.
Continuando a teoria, em uma cena, Adam interroga a mãe (Isabella Rossellini) sobre o possível irmão gêmeo, e ela simplesmente o manda largar essa fantasia de ser um ator de segunda. Outra prova que poderia comprovar esta tese é quando Anthony (que seria Adam) discute com sua mulher grávida Helen (Sarah Gadon com a melhor atuação entre o elenco), quando ela o acusa de ter voltado com a amante. Essa amante que seria mostrada como a mulher de Adam, Mary (Mélanie Laurent), no início do filme. Mas é claro que tudo isso é apenas uma teoria de tantas outras que podem surgir diante esta ambígua história, ambientada em uma fotografia surrealmente dourada de Nicolas Bolduc e uma trilha sonora hipnotizante de Danny Bensi e Saunder Jurriaans que sabem reforçar os momentos de tensão. Só uma pena que o filme seja curto demais para explorar melhor todas essas possibilidades, pois quando ele atinge seu melhor momento, já está terminando.
Assim, Villeneuve, mesmo com uma carreira curta (ver também “Incêndios” e “Polytechnique”), mas excelente para coloca-lo entre os melhores diretores da atualidade, entrega uma adaptação digna de Saramago, ao mesmo tempo que cria um suspense intrigante, e que merece ser visto várias vezes, pois a cada sessão, promete ser um novo filme.