Impecavelmente bem produzido, o filme brilha com atores guiados pela excelente direção de Asghar Farhadi.
Logo nos primeiros minutos de “O Passado”, novo filme do diretor/roteirista Asghar Farhadi (do elogiado “A Separação”), sentimos que a tristeza será o tom predominante da história, uma tristeza que envolve personagens que ainda têm questões passadas a acertar entre eles. Essa atmosfera melancólica é notada graças à fotografia de Mahmoud Kalari que retrata uma Paris triste, fria e sem o glamour que vemos em outras produções. O reforço é feito pelo figurino de Jean-Daniel Vuillermoz, que cria roupas simples, desbotadas e com cores apagadas, combinando com o astral dos personagens. Apesar de toda essa construção e com Farhadi desenvolvendo muito bem os personagens no começo, o diretor se perde quando precisa decidir qual a história que ele realmente quer contar.
O filme, principalmente no primeiro e segundo atos, foca na história de Marie Brisson (Bérénice Bejo), uma mulher que está em uma nova relação amorosa, mas precisa da assinatura do ex-marido Ahmad (Ali Mosaffa) para conseguir o divórcio. No primeiro diálogo entre os dois, quando ela o recebe no aeroporto, o diretor deixa clara a dificuldade que a protagonista tem em dialogar com as pessoas próximas, usando o vidro como barreira para exaltar esta metáfora (uma técnica que é repetida para criar um suspense para o público). Depois disso, não é nenhuma surpresa, quando ela pede para Ahmad para conversar com a filha dela, Lucie (Pauline Burlet), e tentar entender a razão da depressão da garota.
E nessa apresentação, o roteiro desenvolve a relação entre Marie e Ahmad. O ex-marido ganha bastante destaque, sendo o responsável por várias mudanças na vida de Marie. Assim o acompanhamos tentando descobrir o motivo da tristeza de Lucie, provocar ciúmes no novo namorado de Marie, Samir (Tahar Rahim), e lidar com velhos sentimentos que foram reavidos com o retorno.
O ator Ali Mosaffa constrói um personagem interessante que consegue transmitir todos os sentimentos, se mantendo, na maioria das vezes, no controle da situação, enquanto Bejo (que participou do premiado “O Artista”) está impecável como a triste Marie. Contudo, a melhor atuação fica para Pauline Burlet, que consegue transmitir a angústia e sofrimento que sente por guardar um segredo e por nunca poder contar com uma figura paterna por muito tempo. Mas nada disso seria possível se Farhadi não criasse personagens tão complexos e que precisam resolver tantas coisas entre si para deixar o passado para trás e seguir em frente.
Entretanto, quando estamos tão envolvidos com este trio (Samir, até certo momento, não passa de um coadjuvante), o roteiro, praticamente no terceiro ato, muda um pouco o foco narrativo. Impulsionado pelo segredo de Lucie, o personagem de Ahmad é esquecido, enquanto Samir e Marie viram o casal principal, transformando o filme em um suspense investigativo. Apesar de várias pistas serem jogadas para o público até essa mudança, a importância que Farhadi deu para outras histórias paralelas fez que essa não entrasse de uma maneira muito orgânica, causando um estranhamento no andamento da trama. Então, quando vemos eles buscarem a verdade sobre o suicídio da esposa de Samir, não é tão importante quanto saber a conclusão da história de Ahmad e Lucie.
Se no roteiro Farhadi oscila na narrativa, não se pode reclamar da excelente direção. Os planos fixos, sem muitos cortes, privilegiando sempre os diálogos e com a escolha de sons ambientes (evitando músicas externas até para não cair no melodrama) criam todas as condições para que os atores brilhem. E, deste modo, os personagens vão reconstruindo suas vidas como Marie tenta reconstruir sua casa e, como a tinta fresca, devemos ter paciência com os outros para não deixar manchas no passado.