Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 05 de maio de 2014

Getúlio (2014): cinebiografia não vai entrar para a história

Filme irregular brilha apenas com a atuação de Tony Ramos.

GetúlioGetúlio Vargas foi uma das figuras mais controversas da história do Brasil e assumiu a presidência em dois momentos distintos. Entre 1930 e 1945, foi um ditador que chegou ao poder por meio de um golpe, com apoio das Forças Armadas. Em 1950, voltou ao poder “nos braços do povo”, nas eleições ao lado de seu vice, Café Filho. No entanto, mesmo eleito democraticamente (ou o mais próximo disso que o Brasil chegou até então), o político ainda tinha muitos inimigos, especialmente o jornalista Carlos Lacerda.

“Getúlio”, escrito por George Moura e dirigido por João Jardim, conta a história dos últimos dias do personagem-título, interpretado por Tony Ramos, como presidente da República, desde o atentado contra Carlos Lacerda (Alexandre Borges) na rua Toneleiros até o seu suicídio, em agosto de 1954. Além das relações políticas, o longa entra na intimidade da família do presidente, seu relacionamento com a filha Alzira (Drica Moraes) e o filho Lutero (Marcelo Médici) e sua guarda pessoal, liderada por Gregório (Thiago Justino).

Depois de um início promissor, com Vargas assumindo vários desmandos de seu primeiro governo, como prisões políticas, execuções e torturas (é curioso que esse mesmo roteiro tente mostrar Getúlio como um homem benevolente, democrata e de uma moral inabalável), o filme se perde completamente, preso entre atuações baseadas apenas em impostações vocais, diálogos engessados repletos de frases de efeito e encenações de momentos históricos do País.

O roteiro de George Moura é raso, sem jamais permitir que conheçamos aqueles personagens. Mesmo a relação de pai e filha entre Vargas e Alzira é pouco aprofundada, o que é lamentável tendo em vista o talento dos atores em questão. Um acerto do roteirista é conduzir a trama de modo que seja possível ver semelhanças, especialmente nas negociações políticas, com quase todos os momentos históricos do Brasil, chamando a atenção do espectador para problemas que parecem ser crônicos e incuráveis na política brasileira. A deficiência em explicar os fatos que ocorrem no decorrer da narrativa é evidenciada pela constante aparição de letreiros que identificam os personagens e locais que surgem na tela, mesmo que alguns deles tenham pouca ou nenhuma participação na trama.

Drica Moraes faz o que pode com o pouco material que recebe para trabalhar. Sua dedicação ao pai são maiores que a dedicação à própria vida pessoal. Alexandre Borges tem uma performance explosiva, apesar de contar apenas com a caracterização para se assemelhar ao jornalista que interpreta (repare como o sotaque paulista do ator se sobrepõe constantemente ao forte sotaque carioca do personagem).

Um dos poucos pontos positivos de todo o filme é o impressionante desempenho de Tony Ramos. Ainda que caia no mesmo problema de Alexandre Borges, com o carregado sotaque gaúcho aparecendo poucas vezes, todos os maneirismos do presidente estão ali, além d postura, das longas pausas durante o discurso e do modo de andar ou fumar seus charutos.

Com uma montagem pragmática, que torna o longa arrastado a enfadonho em vários momentos, a direção de João Jardim deixa a desejar na condução da história, além de criar vários planos pouco interessantes ou necessários. Com isso, “Getúlio” tem uma boa recriação de época, mas não pode ser visto como um registro eficiente de um momento tão importante na história do Brasil.

David Arrais
@davidarrais

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