Sobre sexo, prostituição, religião, uma pitada inadequada de romance e Woody Allen como cafetão.
Quando os créditos finais de “Amante a Domicílio” começaram a subir na tela e veio de forma destacada os tradicionais dizeres “escrito e dirigido por”, era perfeitamente audível o burburinho entre os espectadores. “Olha, o filme não é dele!” e “Pensei que o diretor era ele” foram alguns dos comentários realizados pela maioria dos que estavam na sessão. O “ele” em questão fazia referência à Woody Allen, um dos protagonistas do longa na pele de Murray, um senhor dono de uma deficitária livraria. Surpresa absolutamente compreensível, uma vez que este talvez seja o mais “woodyalleniano” dos filmes em que ele não esteve envolvido em nenhuma das principais etapas de realização (roteiro, direção e produção), ainda que pareça bastante evidente que sua presença no projeto não tenha sido por acaso.
O principal responsável por trás deste divertido longa, entretanto, não é Woody Allen, e sim John Turturro, outro experiente ator nova-iorquino (coincidência?), que o escreveu, dirigiu e protagonizou, interpretando o simples e galante florista Fioravante, um grande amigo de Murray e frequentador fiel de sua humilde livraria. É bom que se diga, todavia, que esta não é a primeira vez que Turturro se experimenta em outros segmentos da produção cinematográfica, já tendo sido diretor e roteirista de outras quatro películas: “Passione” (2010, somente direção), “Illuminata” (1998), “Mac” (1992) e “Romance e Cigarros” (2005), que vão desde a comédia, passando pelo musical e pelo histórico, até o drama puro, destacando a versatilidade do artista.
Aqui, o agradável tom de crônica que predomina nas obras de Woody Allen também prevalece. A história gira em torno justamente dos dois amigos Murray e Fioravante que, ao perceberem que estão passando por dificuldades financeiras difíceis de transpor, resolvem montar uma pequena parceria no ramo de prostituição. O primeiro conhece duas mulheres que desejam um ménage à trois e sugere ao amigo que ele seja o terceiro da experiência, em troca de uma determinada quantia em dinheiro. A partir de então, os dois resolvem dividir os lucros e rumar em direção a novos programas, sendo sempre Murray o cafetão e Fioravante o prostituto.
É extremamente prazeroso vermos um Woody Allen em tela interpretando basicamente ele mesmo, ou pelo menos o seu alter ego presente em tantos de seus filmes. Seus trejeitos, seu modo apressado de falar, seus questionamentos filosóficos fora de hora: tudo está incluso no pacote da personalidade de Murray. Contudo, se por um lado também temos um ótimo Turturro nas cenas de prostituição, com sua inexpressividade hilária, por outro o personagem perde força quando suas motivações descambam para o lado do melodrama clichê e vazio, especialmente no ato final, ainda que o desfecho escape dessa armadilha aos quarenta e cinco do segundo tempo. Dessa forma, é mesmo Allen quem carrega a narrativa nas costas, com sua comicidade em alto grau de inspiração.
Aliás, este é o principal defeito do longa. Sua dificuldade em transitar entre a comédia e o drama é absolutamente constrangedora. Neste sentido, Turturro realmente não acha o tom adequado para passar sua mensagem, equilibrando de maneira tosca as duas propostas. Sob este aspecto, parece que lhe faltou beber um pouco mais da fonte do mestre ao seu lado, que por tantas vezes soube divertir e emocionar na medida perfeita, sem soar piegas ou artificial. “Manhattan”, “Meia-noite em Paris”, “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” e “A Rosa Púrpura do Cairo” são apenas alguns exemplos à título de ilustração que poderiam servir como modelo de inspiração para o diretor.
Por outro lado, John Turturro adota uma abordagem extremamente dinâmica e eficiente. Ao lado de sua montadora Simona Paggi, é sagaz ao criar rimas visuais que são constantes durante os quase 100 minutos de projeção, dando à película um ritmo contagiante. Como no caso em que, durante o final da cena do primeiro programa realizado por Fioravante, tendo no orgasmo da personagem de Sharon Stone o seu ápice, o corte muda imediatamente para um plano onde vemos um gari regando as plantas com uma enorme mangueira, em uma clara referência ao orgasmo masculino.
O elenco, inclusive, também é digno de menções. Como se não bastasse a estrela de Woody Allen brilhando na ficha técnica do filme, ainda podemos nos deliciar com as divertidas atuações de Sofía Vergara, da bela Vanessa Paradis, ainda que sua personagem represente para o protagonista aquele que é o principal escorregão do longa, e da já citada Sharon Stone, que dão um brilho todo especial à história. A cena do ménage propriamente dito, com Stone, Vergara e Turturro, em especial, é ótima.
Além de tais méritos, o diretor/roteirista ainda conta com uma parte artística afiada, tendo na direção de arte de Sarah Frank, no design de produção de Lester Cohen e na bela fotografia de Marco Pontecorvo suas principais virtudes. Apostando em composições onde predomina uma iluminação irregular e tons quentes, principalmente o vermelho, Pontecorvo cria uma atmosfera de sensualidade absolutamente cativante, que confere uma força extra à narrativa e casa perfeitamente com a temática da fita.
Dessa forma, é conveniente colocar que “Amante a Domicílio” funciona muito mais como comédia do que como drama ou romance, algo que o próprio Turturro parece notar ao, além de focar bem mais na primeira parte do que na segunda, criar um desfecho coerente com aquela, escanteando as bobagens vazias de lado. A grande cena final, diga-se de passagem, ilustra isso de maneira sucinta. Assim, temos uma divertida experiência que vale pelos absurdos das situações propostas e pelo ótimo senso de humor extraído delas; brilhante, mas sutil, no melhor estilo genial de Woody Allen.