Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 14 de abril de 2014

Capitão América 2 – O Soldado Invernal (2014): a maturidade da Marvel Studios

O Sentinela da Liberdade retorna em uma aventura que se diferencia dos demais filmes da franquia Vingadores por seu tom mais sério, arriscando mudanças com profundas ramificações no Universo Cinematográfico Marvel.

Este “Capitão América – O Soldado Invernal” não é um filme sobre seus personagens-título, sobre o diretor da SHIELD, o Falcão ou a Viúva Negra. O picadeiro central desta superprodução é tomado por suas identidades reais, ou melhor, pela busca desses personagens por encontrá-las. Mas vale dizer que o público ansioso por um espetáculo visual também não sairá frustrado.

Tendo como base principal o trabalho de Ed Brubaker e Steve Epting nas HQs do Sentinela da Liberdade, o longa enfrentou desconfianças em todos os fronts. Há um preconceito inato daqueles que não conhecem o Capitão América dos quadrinhos, que veem no herói apenas uma idealização ufanista dos EUA. Do mesmo modo, poucos acreditavam que os irmãos Joe e Anthony Russo, egressos de comédias televisivas como “Community” e “Arrested Development” poderiam entregar algo à altura de “The Avengers – Os Vingadores”.

Em ambos os casos, quem não conferir o longa no cinema por qualquer esses dois receios, deixará de ver o filme mais maduro da Marvel Studios. Misturando o impacto visual de um blockbuster quadrinístico com o clima de conspiração de filmes como “Três Dias do Condor”, a fita é efetiva em explorar os conflitos de seus heróis e antagonistas, ampliar e desenvolver o universo Marvel nos cinemas, mas sem jamais perder a energia que se espera de um lançamento do verão estadunidense.

Dois anos se passaram desde que Steve Rogers (Chris Evans) acordou de seu sono gelado de sete décadas. Após lutar ao lado dos Vingadores na batalha de Nova York, o Capitão América agora lidera uma equipe de elite dentro da agência de espionagem SHIELD ao lado da também vingadora Natasha Romanoff (Scarlett Johansson). Além de seu “trabalho”, Steve ainda tenta se ajustar ao século XXI, contando com a amizade do soldado veterano boa-praça Sam Wilson (Anthony Mackie) para isso.

Quando seu superior Nick Fury (Samuel L. Jackson) cai vítima de um atentado nas mãos do misterioso Soldado Invernal (Sebastian Stan), fica claro para Rogers que a SHIELD está comprometida, o que coloca o herói no centro uma rede de intrigas que ameaça a liberdade e segurança globais.

Ao contrário de alguns blockbuster nos quais os roteiros são meras desculpas para a criação de cenas de ação elaboradas (e/ou impossivelmente confusas), aqui os realizadores não hesitam em focar nas relações entre os personagens e deixar as set-pieces acontecerem de maneira natural, como consequências lógicas do roteiro, jamais o contrário. Isso demonstra uma confiança – justificada – na força do material que eles tinham em mãos.

Deste modo, cenas como o reencontro melancólico de Steve com sua envelhecida ex-namorada Peggy (Hayley Atwell) são tão importantes para o desenvolvimento da narrativa quanto os elaborados confrontos físicos nos quais o Capitão se envolve.  A busca do herói em se localizar em um mundo cuja moral é retratada por tons cada vez mais cinzentos é o seu conflito principal. Será que o “homem bom” agora se tornou relegado a uma simples peça de museu?

A visita de Steve à exposição sobre ele no Museu de História Natural do Smithsonian não tem um caráter ególatra, mas mostra um indivíduo a relembrar os valores pelos quais ele lutou e sangrou. Ver esse capítulo da sua vida, que era seu porto seguro, retornar de forma dolorosa, tanto na doença de Peggy, na ameaçadora forma do Soldado Invernal e nos “fantasmas” de Arnim Zola (Toby Jones) e do fascismo da organização HIDRA, é um baque emocional forte para o Capitão.

Chris Evans utiliza muito bem essa encruzilhada nesta sua terceira defesa do personagem, mantendo um semblante honesto e decisivo, mas sem jamais confundir o altruísmo natural de Rogers com ingenuidade, algo que mataria o personagem para o público ao minar sua credibilidade como líder, estabelecida com sucesso nesta fita após ser apenas um elemento en passant em “The Avengers – Os Vingadores”.

A parceria do Capitão com a Viúva Negra ilustra bem o paralelo entre os dois heróis. Enquanto Steve é um homem cujos ideais e memórias sempre funcionaram como uma bússola, Natasha tem uma bagagem sangrenta e sofrida em seu passado, uma mulher obrigada a se reinventar constantemente para se manter viva.

Essa bagagem, também apenas rapidamente sugerida em sua aparição anterior na telona, aqui é melhor trabalhada por Scarlett Johansson, que ganha mais tempo e material para desenvolver e definir os rumos de sua personagem. Aliás, considerando que se trata da quarta colaboração entre Evans e Johansson, a dupla já possui uma química notável em tela, o que transborda em vários momentos tocantes e engraçados.

O carismático Anthony Mackie torna o seu Sam Wilson (ou Falcão) uma bela adição ao rol de heróis cinematográficos da Marvel, apresentando um herói mais alto-astral e melhor resolvido que a maioria daqueles apresentados pela Casa das Ideias até aqui. Samuel L. Jackson empresta mais uma vez a autoridade de sua persona cinematográfica a Nick Fury, com o pragmático diretor da SHIELD tendo um destaque maior aqui que em todas as suas aparições anteriores, com direito até mesmo a alguma luz em seu passado (além de uma sutil, mas divertida, referência a um dos mais conhecidos trabalhos do ator).

O veterano Robert Redford sai um pouco do circuito independente para trazer credibilidade à esta produção, em uma participação que subverte qualquer expectativa e, ao brincar com a imagem que temos de Redford atrelada ao gênero de filmes de espionagem, o filme remete à escalação de Henry Fonda em “Era Uma Vez no Oeste”. Finalmente, como Soldado Invernal, Sebastian Stan pode ter uma participação curta, mas esta é deveras marcante, trazendo a intensidade certa ao antagonista-título, cuja relação com o Capitão América pode não ser uma surpresa para os fãs, mas pode chocar os não iniciados.

A insistência dos irmãos Russo ao investir mais em cenários reais na maioria das cenas de ação (especialmente na batalha em uma auto-estrada) acaba causando estranheza quando elementos virtuais começam a surgir com mais força, especialmente no clímax da produção.

As lutas mostradas aqui são bem mais brutais que em qualquer outro filme da Marvel Studios, com forte influência do MMA (a escalação do lutador George St. Pierre como o terrorista Batroc não foi um acaso). Os destaques vão para o segundo embate entre o Capitão e o Soldado Invernal, o combate dentro do elevador e a infiltração no navio logo no início da projeção, sequência que pega muito emprestado do game “Metal Gear Solid 2”.

Apesar de a fita estar repleta de ligações que enriquecem os longas anteriores da Marvel Studios, ela também funciona como uma aventura-solo, especialmente com o momento histórico em que vivemos, com a tentação do público de entregar suas liberdades civis em troca de um senso de segurança tão presente no dia a dia. Para alguém que confia no potencial humano, a decisão de Steve Rogers em usar novamente seu uniforme clássico em um momento decisivo representa um homem que enfrenta um presente corrupto com armas ideológicas do passado, visando a criação de um futuro melhor.

Obs.: existem duas cenas pós-créditos, a primeira mais integrada a “Os Vingadores 2” e a segunda fazendo uma ponte para a terceira aventura- solo do bom Capitão.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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