Paulo Morelli retorna aos cinemas com longa sobre amigos que enfrentam dramas do passado.
O último filme de Paulo Morelli foi “Cidade dos Homens”, em 2007. De lá para cá, outros projetos surgiram, mas não se concretizaram por motivos diferentes. Agora, o cineasta, responsável por “Viva Voz” e “O Preço da Paz”, ambos de 2003, retorna às telonas com o drama “Entre Nós”, compartilhando a direção com o seu filho, Pedro Morelli. Na trama, um grupo de amigos se encontra em 1992 e em 2002, e vai encarar segredos do passado que podem abalar a relação de amor e amizade entre eles. Na primeira fase, eles decidem enterrar cartas com desejos para o futuro, que serão abertas dez anos depois, quando a relação entre eles será questionada.
O recorte temporal foi escolhido por ser um momento de transformação à espera de transformações. Apaixonados pela liberdade, pela literatura e por eles mesmos, o roteiro, também de autoria do diretor, analisa como o tempo interfere na vida das pessoas. Sem grandes vícios televisivos, que prejudica boa parte do cinema nacional comercial, Morelli entrega uma obra visualmente madura, sustentada em uma fotografia que utiliza as belas paisagens e explora o ator como ponto forte da dramaturgia.
As épocas retratadas são especialmente caracterizadas pelos diferentes usos de câmera, cores e cortes. Em 1992, o diretor opta por filmar com mais dinâmica, com a montagem interferindo com mais urgência, construindo uma atmosfera sonhadora para aqueles jovens de vinte e poucos anos. Em seguida, a montagem é um pouco mais lenta, valorizando o clima de suspense e a transformação dos personagens por meio das nuances exigidas do elenco.
Experiente atriz dramática, Carolina Dieckmann é um dos principais destaques do elenco. A jovialidade de Lúcia no início da projeção se transforma com o silêncio e a angústia da personagem. Sua relação com Felipe, personagem de Caio Blat, abalada pelas escolhas questionáveis dele, colocam o relacionamento em risco. Além do drama e do suspense que residem no longa, o roteiro também dá espaço para o humor. A Drica de Martha Nowill é o alívio cômico da história, tendo os melhores momentos em tela, principalmente ao lado do versátil Júlio Andrade.
Cabe a Paulo Vilhena se desligar dos estereótipos da sua carreira para elaborar Gustavo com mais sensibilidade, alcançando o objetivo e trazendo também um toque de comicidade ao longa. Lee Taylor, ator de teatro que galga seus primeiros papéis no cinema, tem uma participação menor, mas tão marcante quando o restante do elenco. Completa o elenco a atriz Maria Ribeiro, que sempre entrega atuações espontâneas, trabalhando mais uma vez com Blat, seu marido na vida real.
Apesar de fazer uma boa mistura de gêneros, “Entre Nós” arrisca demais na antecipação das informações para o público, que fica sem muitas surpresas quando os créditos finais sobem. Ainda que esteja claro que o foco é mostrar a mudança de comportamento dos personagens e a maturidade adquirida em dez anos de amizade, o suspense acaba sem muita utilidade na narrativa. A opção de deixar um final em aberto também é questionável, pois indefine as consequências para os personagens. Talvez a escolha seja arriscada, mas justificada por uma vontade em fazer uma sequência do longa, que é cogitada pela produção. Existe espaço para uma continuação, principalmente porque vários conflitos não são resolvidos aqui.
Mesmo com os deslizes, “Entre Nós” se destaca pela qualidade técnica e de construção dos personagens. O filme venceu três prêmios no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro do ano passado (melhor roteiro, melhor atriz coadjuvante para Martha Nowill e melhor ator coadjuvante por menção honrosa do júri para Júlio Andrade) e dois troféus Amazonas Film Festival 2013 (melhor ator para Caio Blat e melhor fotografia para Gustavo Hadba). Participou também da competição oficial do Festival de Cinema de Roma e do Festival de Havana. Em cartaz nos cinemas nacionais.
A crítica foi adaptada de matéria especial publicada por este autor no Jornal Diário do Nordeste.