Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 10 de março de 2014

300 – A Ascensão do Império (2014): sangue, suor, água e tédio

Visualmente interessante, mas deveras tedioso, a única coisa que chega a tentar redimir essa desnecessária continuação (que se passa antes, durante e depois do original) é a arrebatadora presença de Eva Green.

300-A-Ascensao-do-Imperio-poster-brExistem duas histórias dentro de “300 – A Ascensão do Império” que se digladiam até a morte. Uma é sobre um mulher forte e habilidosa que, tendo sua família massacrada quando criança e os homens que a adotaram posteriormente mortos, jura vingança a qualquer preço contra o seu próprio povo, que julga responsável por essas tragédias. A outra é um pseudoépico que serve apenas para servir de alegoria e justificativa para as campanhas militares estadunidenses em sua busca por defender a democracia de ditadores orientais despóticos que não hesitam em usar homens-bomba para matar os valentes soldados defensores da liberdade. E infelizmente é este último plot que conduz o filme.

Este desnecessário novo capítulo da “saga” que começou no mais que eficiente “300” foi escrito pelo diretor do longa original, Zack Snyder, em colaboração com Kurt Johnstad. O texto é parcialmente baseado em uma Graphic Novel ainda não lançada (ai, ai…) de Frank Miller e está impregnado pelo ultranacionalismo e exaltação da xenofobia que o quadrinista vem demonstrando em seus últimos trabalhos, vide a execrável HQ “Holy Terror”.

O protagonista aqui é Temístocles (Sullivan Stapleton), general ateniense que busca o apoio espartano contra as hordas invasoras do imperador persa Xerxes (Rodrigo Santoro). Temistocles, aliás, foi o responsável pela morte de Dário (Igor Naor), pai e antecessor de Xerxes e mentor da feroz Artemísia (Eva Green), grega resgatada por persas e vítima da tragédia narrada no primeiro parágrafo. Enquanto isso, a rainha Gorgo (Lena Headey) lida com as consequências da morte de Leônidas.

Quem assume a batuta como diretor aqui é o israelense Noam Murro, que nem de longe possui a competência de Zack Snyder em aplicar belos visuais em favor da narrativa. O problema é que Murro não é Snyder e este último, como roteirista, é um ótimo diretor.  O tom de fábula violenta que o primeiro filme tinha, justamente por ser uma história contada (e aumentada) por espartanos para dar fôlego aos seus conterrâneos vai para o espaço, levando consigo a consistência da narrativa.

Noam Murro aplica o slow motion a esmo, em uma tentativa frustrada de replicar o estilo de filmagem de Snyder, então revelando-se um substituto inadequado. Parece mais um cantor de segunda tentado fazer um cover de um profissional. Some-se isso às lutas extremamente repetitivas e temos um longa de  102 minutos que parece se arrastar por 180.

Em compensação, a beleza plástica da produção é óbvia. Atores, figurinos e objetos de cena (reais ou virtuais) se misturam em um frenesi de cores que parecem pinturas, com o uso de uma tela IMAX 3D ressaltando esse verdadeiro colírio para os olhos. É uma pena que o espetáculo se torne cansado e repetitivo com o tempo. A trilha sonora é pouco memorável, afastando-se tos temas pesados e épicos da fita anterior.

A multiplicidade de narradores e pontos de vista é mal explorada e a única personagem bem construída pelo roteiro é a bela e mortal Artemísia, até por ter motivações humanas e razoavelmente compreensíveis para suas ações e não ser apenas um estereótipo de bastião da democracia como o chatíssimo Temístocles.

Ao contrário de Gerard Butler, cujo carisma fez com que as frases de efeito de Leônidas ganhassem a proverbial boca do povo, a única coisa que o protagonista vivido por Sullivan Stapleton provoca é sono. Os breves momentos em que o rei espartano aparece (todos resgatados da fita original e sem nenhum diálogo) conseguem eclipsar facilmente todas as aparições de Temístocles.

Graças a Zeus por Eva Green estar no filme. Além de redimir um cena de Stapleton (momento este que redefine o termo “sexo selvagem”), a sensual atriz consegue dar pinceladas de complexidade para sua Artemísia, transformando a “vilã” que beija cabeças decapitadas de seus inimigos na figura mais complexa em cena.

Enquanto o filme original ainda contava com coadjuvantes que chamavam a atenção, como Michael Fassbender e David Wenham, aqui os parceiros do “herói” são mais sem graça que isopor vazio, com seus diálogos limitando-se a clichês requentados proferidos em seqüência. Há inclusive uma relação de pai e filho que parece copiada do longa anterior da série. Mesmo a Rainha Gorgo de Lena Headey é aqui apenas uma sombra da mulher forte e valente de outrora, exibindo uma hesitação que não condiz com ela.

O Xerxes de Rodrigo Santoro, cujo visual exótico chamou a atenção do público, perde o frescor da novidade e aparece pouco em cena, apesar de ganhar alguns minutos em tela sem o figurino único que marcou o personagem, em um flashback de origem que fala mais sobre Artemísia que Xerxes.

Não há nada de errado em uma obra audiovisual servir como propaganda política para alguma causa. Diabos, “O Nascimento de uma Nação” (1915) defende a escravidão com unhas e dentes e tem como herói um dos bastiões da KKK, mas é uma das obras mais importantes do cinema, e trouxe técnicas de narrativa usadas até hoje, quase cem anos depois de seu lançamento. Já este “300 – A Ascensão do Império” fracassa como propaganda e como cinema e somente será lembrado por ter mostrado os seios de Eva Green em IMAX 3D.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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