Após hiato de três anos, Joel e Ethan Coen voltam aos cinemas com drama que usa o contexto da música folk americana no início dos anos 60 para contar uma história desesperançosa, mas bonita.
Fracassados. Não há palavra que defina melhor os personagens principais dos filmes de Joel Coen e Ethan Coen. De um barbeiro californiano dos anos 50, em “O Homem que Não Estava Lá” (2001), a um professor de matemática judeu da década seguinte, em “Um Homem Sério” (2010), faltam momentos de consagração e glória para os trágicos homens criados ou recriados pelos irmãos. Até mesmo em comédias, eles não escapam das humilhações. Em “Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum”, não é diferente. Agora é a música, que insiste em não deixar sua vida, quem o maltrata.
Estamos no início dos anos 60, quando o folk novaiorquino ainda busca respeito da grande audiência e da crítica especializada. Enquanto isso, seus esforçados artistas apresentam-se em pequenas casas de show em Greenwich Village. Um deles é Llewyn Davis (Oscar Isaac), um cantor nada sonhador, que diariamente tem de lidar com as dificuldades de depender financeiramente da música. Entre uma casa de amigo e outro, ele vai abrigando-se e sobrevivendo em uma rotina desgastante. É preciso lidar também com uma gravidez inesperada e com os cuidados de um gato alheio.
Em um dos trabalhos mais melancólicos que já realizaram, os Coen nos apresentam um drama atípico, de pouca acidez, de um estudo de personagem mais intenso e de uma importância histórica inegável. Mas não pense que o filme trata-se de uma reconstituição simples de uma época importante para a música ou de uma cinebiografia (eles inspiraram-se livremente na trajetória de Dave Von Ronk, cantor folk da época). A categoria da dupla de diretores e roteiristas não os permite serem óbvios. E assim eles fazem uma pequena crônica sobre alguns dias na vida de um músico distante dos holofotes da fama.
Em uma atmosfera acinzentada pela fotografia de cores frias de Bruno Delbonnel, Davis entrega-se a sorte numa Nova York nada convidativa. Sem jamais romancear, o roteiro nos exibe as dificuldades de um profissional talentoso que, infelizmente, não depara-se com muitas oportunidades. E quando elas vêm, não podem ser devidamente aproveitadas pela necessidade instantânea de dinheiro ou por sua falta de crença em novos projetos. Não podemos falar, porém, que ele deixa de tentar. Uma atribulada ida a Chicago, em busca de alguma aceitação, no entanto, só faz sua decepção crescer.
Fazendo de seu protagonista um homem extremamente comum, como bem define o subtítulo brasileiro do filme, Joel e Ethan Coen adicionam pessimismo, arrogância, orgulho. Enfim, uma infinidade de qualidades negativas que apenas o tornam mais palpável. Llewyn parece ter criado uma armadura em sua personalidade em vista do que o mundo vem lhe apresentando. O empresário não traz retorno algum, a irmã sabe apenas lhe repreender, sua colega de trabalho, a quem engravidou, não cansa de o maltratar. Até o gato dos Gorfein, o único que é correspondido por ele, decide fugir dos seus cuidados.
A última relação, por sinal, acrescenta sensibilidade à história, mesmo que com bastante parcimônia (afinal, estamos em um trabalho dos Coen). As outras emoções advém das músicas, das incríveis performances e da maneira cadenciada com que são tratadas pela direção. Com produção executiva de T. Bone Burnett, em mais uma pródiga parceria com os cineastas, as canções adentram a mente de seus personagens, revelando-os para além do que a curta trama pode mostrar. Eles sabem que o folk tem esse poder.
Há também tempo para a comédia, para ironias, que ganham espaço nos diálogos. São nesses momentos em que destaca-se o elenco do longa, afiadíssimo com o tom estranho, mas muito bem pensado da narrativa, dando vida a sequências que são a marca da dupla de cineastas. Como esquecer o bate-papo de Llewyn com a secretária de seu empresário? Ou até mesmo as conversas nada pacíficas entre ele e Jean, interpretada por Carey Mulligan? O desentendimento com o músico de Jazz Roland Turner (John Goodman, em performance impressionante) também chama a atenção.
Com enorme responsabilidade nas mãos, em seu primeiro grande papel na carreira, Oscar Isaac corresponde completamente, especialmente no quesito performance musical. Carrega o filme com a melancolia exata, fazendo de “Inside Llewyn Davis” uma preciosa peça de cinema, ousada e provocativa demais para a Academia de Hollywood, mas de qualidade inegável para o Festival de Cannes, onde recebeu o Grand Prix. Cada vez mais filosóficos e menos comprometidos com o cinema comercial, Joel e Ethan Coen reiteram que são o exato oposto da palavra que melhor define seus personagens principais.