Visualmente belo, novo longa de Wong Kar Wai peca no roteiro.
Ao ler a sinopse do novo filme de Wong Kar Wai, “O Grande Mestre”, fica a impressão que iremos acompanhar a biografia de um dos maiores mestres do Kung Fu: Yip Man, conhecido popularmente por ter treinado Bruce Lee. É verdade que algumas passagens importantes de sua vida são retratadas no filme, mas elas funcionam como pontos de viradas para que a trama principal possa prosseguir adiante, deixando Yip Man em segundo plano em grande parte da duração.
Logo no início, as principais qualidades que irão predominar já podem ser vistas: as lutas e a bela produção técnica, além do talento do diretor Wong Kar Wai que cria planos inesquecíveis que só colaboram para a excelente estética da obra. Na primeira luta de Yip Man (Tony Leung), é complicado não lembrar de “Matrix” que, por sua vez, bebeu muito da fonte do cinema oriental. Essa imediata lembrança se deve ao coreógrafo Woo-Ping Yuen, que trabalhou no filme dos irmãos Wachowski, responsável pelas coreografias que só melhoram a cada luta, principalmente pelos detalhes que Kar Wai faz questão de mostrar com o objetivo de envolver o público a cada golpe. Uma verdadeira dança marcial.
No entanto, apesar de “O Grande Mestre” ser competente na produção e um filme visualmente belo, não tem a mesma excelência no roteiro. A história começa com um off de Yip Man resumindo sua vida até os 40 anos, época em que ele compara como a Primavera. Em poucos minutos, grande parte de sua história é revelada, sem nenhum aprofundamento. Isto ainda será repetido em outros momentos, como a passagem na guerra contra os japoneses, momento doloroso para o personagem que poderia ser melhor desenvolvido.
O tom do filme está muito mais para a fantasia do que para a realidade, já que Yip Man é mostrado como uma lenda, um mito, um mestre invencível das artes marciais, não se preocupando em discutir o seu lado humano. O roteiro se apressa em dizer quem é Yip Man e defini-lo, tendo maior destaque na “primeira parte” do longa, em que ele se vê em ma briga entre as escolas do norte e sul que disputam o território da cidade de Foshan. Deste modo, sobra espaço para a personagem de Zhang Ziyi, Gong Er, tomar conta do filme, principalmente na segunda parte da vida de Yip Man que ele define como Inverno. É a personagem com o melhor desenvolvimento, o que não é algo difícil comparado aos outro que, na maioria, entram e saem da trama sem nenhuma grande relevância, colocados ali como motivos para mais porradaria.
Wong Kar Wai parece não ter um foco principal para a trama. Em um momento, acompanhamos Yip Man e, quando o personagem cresce, já somos jogados para Gong Er, tendo uma quebra de ritmo enorme. E no meio dessas histórias, o diretor ainda tenta desenvolver o contexto da guerra entre a China e o Japão (é linda a preocupação do diretor nos detalhes quando coloca uma bandeira do Japão desfocada no fundo para mostrar um grupo de chineses traidores), enquanto homenageia o Kung Fu e toda sua cultura. Este último acaba sendo um dos grandes acertos, com diálogos que mostram a maneira de pensar daqueles mestres e como eles relacionam o aprendizado com os fenômenos naturais, bem distante de alguns diálogos bizarros e frases de efeitos proferidas durante as lutas. Outro acerto é a relação de Yip Man com Gong Er que, da admiração que um tem para outro, nasce um amor platônico que une as duas histórias.
“O Grande Mestre” funciona mais como um filme de artes marciais do que como uma biografia do lendário Yip Man. Se você procura aprender mais sobre o Kung Fu, a cultura chinesa e ver lutas bem coreografadas, ficará mais satisfeito do que alguém que procura um estudo aprofundado sobre o mestre.