Indicado ao Oscar 2014, road movie recicla temas abordados na carreira do diretor Alexander Payne, se mostrando melancólico e ao mesmo tempo divertido.
A estrada sempre foi um ambiente fascinante. A ideia de um caminho a ser percorrido ou de um futuro a ser desbravado está tão enraizada na alma humana que se manifesta em praticamente todas as formas de arte. É uma metáfora mais do que estabelecida para a jornada de transformação e amadurecimento individual e que se põe como temática nuclear tanto nas antigas tragédias gregas como no cinema moderno ou nos quadrinhos.
De tão icônico, este tipo de ambiente, ou “não ambiente”, já que se destaca muito mais por proporcionar a transição de várias locações, acabou por fundamentar os chamados road movies. Do eterno clássico “Sem Destino” (1969) ao cult “Pequena Miss Sunshine” (2006), do deserto em “Thelma e Louise” (1991) ao parque de diversões fechado de ”Férias Frustradas” (1983), pode ser dito que o cinema é um motorista bem rodado, já tendo nos levado como passageiros durante longas e boas viagens. Uma rota, entretanto, tem chamado atenção como destino de possíveis premiações no Oscar: um estado no centro dos Estados Unidos que dá nome ao novo longa do diretor Alexander Payne, “Nebraska”.
O diretor, que já nos levou às vinícolas em “Sideways – Entre umas e outras”, percorre, agora, um caminho até sua maior obra, parando no meio do traçado para revisitar temáticas já abordadas em outros de seus longas, como a autodescoberta de um homem e de sua relação com os familiares (no ótimo “Os Descendentes”) ou mesmo as viagens automotivas em sua produção anteriormente mencionada.
Em “Nebraska”, acompanhamos o idoso Woody Grant, que acredita ter ganho o prêmio de um milhão de dólares em um cupom recebido de uma editora em uma campanha publicitária. Tal prêmio, na verdade, não passa de uma jogada de marketing da empresa para atrair novos assinantes para suas revistas. Mesmo assim, o relapso e teimoso senhor decide ir a pé até a distante cidade de Lincoln para buscar seu prêmio. Sem o apoio do resto da família que tem de resgatá-lo de suas insistentes fugas em busca da bolada, Woody se mantém determinado, até que seu filho, David, decide levá-lo a seu destino de maneira a aplacar os desejos delirantes do pai. Em seu trajeto, acabam por visitar a cidade natal da família Grant, despertando as mais diversas reações em seus parentes e amigos.
Dos primeiros segundos de projeção, uma característica primordial se constata: “Nebraska” é um filme melancólico. A fotografia em preto e branco e as tomadas que enfatizam as recorrentes caminhadas do protagonista fazem alusão ao ritmo e visual dos filmes antigos, sem tentar emulá-los como se observa pela sofisticada definição das imagens. Parecem, porém, adquirir sentido inverso, como se a nostalgia da juventude do idoso fosse colorida como as fotos setentistas de cores impactantes, e o presente no qual ele, agora, é renegado e esquecido como um inválido tivesse perdido todas essas cores.
Esta atmosfera ainda é reforçada pela incrível trilha sonora de Mark Orton, da banda Tin Hat. Predominam aqui os dedilhados nos violões bucólicos do country, criando um clima triste, mas aconchegante de alguma forma, somados a trompetes e até xilofones em peças que constroem a atmosfera de uma típica cidade interiorana dos Estados Unidos com um ar de introspecção. Além disso, a montagem usa e abusa de recursos como fusões e fades completando a busca por um tempo passado e a reconciliação com os erros cometidos durante a trajetória de uma vida.
Os recursos citados acima chamam atenção sem maiores inovações, mas o grande chamariz da película é o elenco. O veterano Bruce Dern encarna um multifacetado Woody Grant, que a princípio é sempre relapso e rabugento, mas se desvenda como um personagem complexo com o desenrolar a trama. Seus olhares desiludidos e as poucas e pessimistas palavras passam a ser encaradas como facetas de um homem que também pode ser tenro e bondoso, cuja assinatura definitiva se faz em um sutil esboço de sorriso ao realizar um sonho.
Enquanto isso, o humorista Will Forte se destaca em uma graciosa interpretação do filho que não foi bem sucedido em sua formação e que mantém problemas com o pai desde a infância. Dotado de um timing cômico perfeito dentro da comédia dramática, Forte constrói com Dern uma relação de pai e filho emocionante e que supera qualquer remorso à medida que o filho tenta, ao máximo, satisfazer os delírios do pai. Outra performance a ser destacada é a de June Squibb. Merecedora da indicação na categoria de melhor atriz coadjuvante no Oscar, ela apresenta com energia a ácida Kate Grant, que não tem papas na língua para falar mal de seus antigos conhecidos, mas mostra um lado protetor ao ser a base e defesa de sua família contra a ganância de outros.
Assim, “Nebraska” é um filme sobre a redescoberta e reconciliação dos rumos da vida que, por vezes, precisa mesmo de um prumo, um norte que seja um alívio para a sensação de estar perdido e estagnado. A cena em que o protagonista procura sua dentadura na linha de trem resume a obra, em que um homem volta aos trilhos de sua antiga vida, retomando posse de seus pedaços inacabados para se reconstituir. Relembrando a temática de outro road movie, desta vez um infantil, sobre um carro vermelho campeão de corridas: a viagem é muito mais importante que o destino.