Entre tropeços e acertos, longa tenta repensar as ideias do original, incluindo uma nova abordagem no que diz respeito ao protagonista.
O “RoboCop” de 1987 fez do cineasta holandês Paul Verhoeven um fenômeno instantâneo. Sua habilidade em dialogar com o público jovem foi fundamental para o sucesso da obra, que deu origem a desenhos animados, videogames, brinquedos e um legado para a cultura pop. Não é para menos, já que o filme conseguiu transitar elegantemente entre a sátira, o humor negro e as eficientes sequências de ação. Quase três décadas depois, surge este remake que representa, de fato, uma razoável releitura do personagem. Se era necessário, contudo, é outra história.
Devidamente atualizado em sua abordagem científico-tecnológica, o novo “RoboCop” se passa em 2028, quando os EUA encontram-se em guerra contra o Irã. As tropas americanas estão em vantagem, graças à tecnologia robótica desenvolvida pelo conglomerado OmniCorp. Enquanto lobistas da empresa tentam incessantemente fazer com que robôs substituam policiais de carne e osso, a opinião pública rejeita a ideia alegando que máquinas “não têm alma”, o que poderia afetar a forma com que julgam as situações. É nessa conjuntura que o CEO Ray Sellars (Michael Keaton) elabora uma nova estratégia, que consiste na incorporação de um policial incapacitado a uma armadura automatizada. Após ter sido criticamente ferido em um atentado, Alex Murphy (Joel Kinnaman) é selecionado para ser a primeira cobaia deste projeto.
Lançado ao estrelato internacional com o excepcional “Ônibus 174” e os dois “Tropa de Elite”, José Padilha conseguiu se estabelecer entre os realizadores brasileiros mais bem sucedidos. Em “RoboCop”, o cineasta jamais sacrifica o desenvolvimento de seus personagens e atribui vulnerabilidade que não existia na versão original ao protagonista (a comparação é inevitável). Dessa forma, nos sentimos realmente frustrados ao vermos a destruição que se abateu sobre o que antes era uma família feliz e nos comovemos ao ver o sofrimento de sua mulher (Abbie Cornish) e seu filho (John Paul Ruttan). Padilha é inteligente ao enquadrar o protagonista com o rosto fora de campo quando este se encontra com seu filho depois de sua transformação, ilustrando de maneira orgânica a distância entre os dois e a apreensão da criança.
O desempenho do elenco não deixa a desejar. Gary Oldman está confortável com seu Dr. Norton, um sujeito complexo que se vê forçado a agir de encontro a seus princípios. Outro que acerta em sua composição é Michael Keaton, emulando em seu personagem uma espécie de Steve Jobs bélico. Já Samuel L. Jackson não tem muito o que fazer como o apresentador de TV Pat Novak, que serve somente para apresentar fatos ao espectador de forma econômica. Se nos sentimos impactados por sua presença não é porque o ator nos convence disso, mas por recordarmos de todos os tipos que ele já interpretou.
Infelizmente, o longa se entrega a péssimas sequências de ação. Confirmando algo que já podia ser notado em “Tropa de Elite”, Padilha dirige cenas mal coreografadas e recheadas de todos os clichês possíveis. Insistindo em manter a câmera próxima dos atores e uma montagem frenética, o que vemos é uma espécie “Call of Duty” cinematográfico, mas bem menos divertido. Além de ser difícil acompanhar o que está acontecendo na tela, as cenas são totalmente desprovidas de tensão.
É o desespero em ser levado a sério, contudo, que constitui a principal falha do filme. Sem qualquer tipo de alívio cômico, o roteiro aposta em diálogos expositivos para frisar a desumanização de Alex, como se não confiasse que a plateia poderia constatar isso por si mesma. Dessa forma, os realizadores evidenciam que muitas das mudanças em relação ao original foram obviamente concebidas para evitar zombaria e, consequentemente, tornar o projeto mais palatável ao espectador médio. É impossível não sair da projeção com a clara impressão de que momentos importantes para a construção narrativa foram deixados de fora durante o processo de montagem. O que não é de se espantar, considerando que, obviamente, Padilha não teve total liberdade criativa.
Assim como “Elysium”, “RoboCop” condensa sua parca discussão ética e suas boas ideias em um terceiro ato neutro. Ao jogar tudo para o alto, acaba falhando ao aceitar a complexidade e a dificuldade dos conceitos com os quais flerta durante as quase duas horas de projeção. Mesmo assim, ainda há espaço para criticar uma figura mais destrutiva e influente que qualquer criminoso que possa habitar as ruas: a mídia. Algo que, vindo de Hollywood, já é um grande feito.